São José dos Campos, Domingo, 16 de Abril de 2000


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500 ANOS
Guaranis de Ubatuba, no litoral norte, gravam CDs, fazem apresentações e chegam à Europa
Índio vira "pop star" do Descobrimento

André Nieto/Folha Imagem
O guarani João Batista esculpe figura de tucano em madeira, uma das atividades da aldeia Boa Vista, em Ubatuba, no litoral norte


ALEXANDRA PENHALVER
ELIANE MENDONÇA
free-lance para a Folha Vale

Reduzidos a 370 moradores nas aldeias Boa Vista e Rio Silveira, os índios guaranis do litoral norte de São Paulo apostam na indústria cultural como alternativa de sobrevivência econômica.
Cinema, TV e gravações de CDs integram a rotina desses índios, que exploram o filão das comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
Ao lado do cultivo tradicional de palmito e mandioca e a pesca, os guaranis já participaram do filme "Hans Staden" e da minissérie "A Muralha", da TV Globo, e estão chegando ao segundo CD -com o primeiro percorreram o Brasil e vão à Europa em junho.
Os índios da aldeia do rio Silveira, de São Sebastião, que tem cerca de 250 moradores, participaram em dezembro de um projeto desenvolvido pela Secretaria de Estado da Cultura e TV Cultura
As 5.000 cópias do CD "Memória Viva Guarani" foram todas vendidas a R$ 20. Um novo lote está para sair.
Nas últimas semanas, a agenda dos guaranis está lotada de compromissos, como apresentações em shopping centers e escolas, mostrando danças e como constroem suas aldeias e fabricam objetos do dia-a-dia.
Já era comum vê-los vendendo o artesanato às margens da rodovia Rio-Santos entre Ubatuba e Parati (RJ).
Os guaranis cobram, em média, R$ 1.000 por apresentação. Somente a aldeia Boa Vista agendou 30 apresentações a partir de maio.
Além disso, um grupo de 120 crianças faz apresentações das canções gravadas por representantes de quatro aldeias no CD da cultura guarani.
O dinheiro arrecadado pelas crianças vai para uma caderneta de poupança.

Aculturação
O cacique Altino dos Santos, 54, que mora em uma casa com aparelho de televisão, que é comunitária, e sistema de energia solar, não vê a integração como um indício da aculturação dos costumes da tribo da Boa Vista.
"Mostrar nossa cultura é um jeito de provar que não estamos "civilizados" e fortalece a tradição do índio", disse.
A aldeia, com 25 casas construídas de madeira e pau-a-pique, lembra mais as pequenas comunidades isoladas do interior do país. A extinção da palmeira guaricanga, que servia de cobertura natural para as casas, fez proliferar o uso de telhas de amianto e barro na aldeia.
As roças são individuais, mas a cozinha, que incorporou arroz e feijão e mantém a caça e a pesca, é coletiva.
Os habitantes mantêm a religião tradicional e dormem em redes. As casas são de terra batida.
Todo o dinheiro da Boa Vista vai para a conta da Associação Tembiguai, que reúne o conselho da tribo.
A intenção é usar a verba para melhorias no açude e na infra-estrutura da aldeia.
O pajé Marcelino da Silva, da Boa Vista, acha que as crianças devem mesmo cobrar pelas apresentações.
"É uma troca pelo trabalho que elas fazem. As crianças devem ter ajuda, e o cacique tem coragem de deixá-las fazer esse trabalho, que beneficia a aldeia", disse o pajé, uma espécie de curandeiro e conselheiro espiritual da tribo.
Ao falar com os ""curumins", o pajé os aconselha a evitar grandes períodos fora da aldeia.
Segundo o agente da Funai Marcos Siqueira de Almeida, a experiência de intercâmbio e divulgação cultural é importante, mas preocupa a entidade.
"Os índios têm saído muito da aldeia e isso pode prejudicar a vida das crianças", disse.
Para a antropóloga Maria Inês Ladeira, do Centro de Trabalho Indigenista, a nova atividade divide as opiniões das aldeias.
Para ela, os índios encontraram uma alternativa econômica.
"Foi a saída que os guaranis encontraram frente às dificuldades com a escassez de terra", disse a antropóloga.


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