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500 ANOS
Guaranis de Ubatuba, no litoral norte, gravam CDs, fazem apresentações e chegam à Europa
Índio vira "pop star" do Descobrimento
André Nieto/Folha Imagem
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O guarani João Batista esculpe figura de tucano em madeira, uma das atividades da aldeia Boa Vista, em Ubatuba, no litoral norte |
ALEXANDRA PENHALVER
ELIANE MENDONÇA
free-lance para a Folha Vale
Reduzidos a 370 moradores nas
aldeias Boa Vista e Rio Silveira, os
índios guaranis do litoral norte de
São Paulo apostam na indústria
cultural como alternativa de sobrevivência econômica.
Cinema, TV e gravações de CDs
integram a rotina desses índios,
que exploram o filão das comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
Ao lado do cultivo tradicional
de palmito e mandioca e a pesca,
os guaranis já participaram do filme "Hans Staden" e da minissérie
"A Muralha", da TV Globo, e estão chegando ao segundo CD
-com o primeiro percorreram o
Brasil e vão à Europa em junho.
Os índios da aldeia do rio Silveira, de São Sebastião, que tem cerca de 250 moradores, participaram em dezembro de um projeto
desenvolvido pela Secretaria de
Estado da Cultura e TV Cultura
As 5.000 cópias do CD "Memória Viva Guarani" foram todas
vendidas a R$ 20. Um novo lote
está para sair.
Nas últimas semanas, a agenda
dos guaranis está lotada de compromissos, como apresentações
em shopping centers e escolas,
mostrando danças e como constroem suas aldeias e fabricam objetos do dia-a-dia.
Já era comum vê-los vendendo
o artesanato às margens da rodovia Rio-Santos entre Ubatuba e
Parati (RJ).
Os guaranis cobram, em média,
R$ 1.000 por apresentação. Somente a aldeia Boa Vista agendou
30 apresentações a partir de maio.
Além disso, um grupo de 120
crianças faz apresentações das
canções gravadas por representantes de quatro aldeias no CD da
cultura guarani.
O dinheiro arrecadado pelas
crianças vai para uma caderneta
de poupança.
Aculturação
O cacique Altino dos Santos, 54,
que mora em uma casa com aparelho de televisão, que é comunitária, e sistema de energia solar,
não vê a integração como um indício da aculturação dos costumes da tribo da Boa Vista.
"Mostrar nossa cultura é um jeito de provar que não estamos "civilizados" e fortalece a tradição do
índio", disse.
A aldeia, com 25 casas construídas de madeira e pau-a-pique,
lembra mais as pequenas comunidades isoladas do interior do
país. A extinção da palmeira guaricanga, que servia de cobertura
natural para as casas, fez proliferar o uso de telhas de amianto e
barro na aldeia.
As roças são individuais, mas a
cozinha, que incorporou arroz e
feijão e mantém a caça e a pesca, é
coletiva.
Os habitantes mantêm a religião tradicional e dormem em redes. As casas são de terra batida.
Todo o dinheiro da Boa Vista
vai para a conta da Associação
Tembiguai, que reúne o conselho
da tribo.
A intenção é usar a verba para
melhorias no açude e na infra-estrutura da aldeia.
O pajé Marcelino da Silva, da
Boa Vista, acha que as crianças
devem mesmo cobrar pelas apresentações.
"É uma troca pelo trabalho que
elas fazem. As crianças devem ter
ajuda, e o cacique tem coragem de
deixá-las fazer esse trabalho, que
beneficia a aldeia", disse o pajé,
uma espécie de curandeiro e conselheiro espiritual da tribo.
Ao falar com os ""curumins", o
pajé os aconselha a evitar grandes
períodos fora da aldeia.
Segundo o agente da Funai
Marcos Siqueira de Almeida, a experiência de intercâmbio e divulgação cultural é importante, mas
preocupa a entidade.
"Os índios têm saído muito da
aldeia e isso pode prejudicar a vida das crianças", disse.
Para a antropóloga Maria Inês
Ladeira, do Centro de Trabalho
Indigenista, a nova atividade divide as opiniões das aldeias.
Para ela, os índios encontraram
uma alternativa econômica.
"Foi a saída que os guaranis encontraram frente às dificuldades
com a escassez de terra", disse a
antropóloga.
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