São José dos Campos, Domingo, 31 de janeiro de 1999

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EFEITOS DA CRISE
Entidade que atende 8 grandes empresas revela que 80% das internações têm relação com o crack
Procura por tratamento cresce 526%

Cláudio capucho/Folha Imagem
O psiquiatra José Roberto Torres, que atende trabalhadores que têm dependência química, em seu consultório


ROGER MARZOCHI
da Folha Vale

Trabalhar à noite, chegar em casa embriagado, "curar" a ressaca com mais bebida e voltar à fábrica. O ritual do metalúrgico José, nome fictício de um empregado da unidade da Volks de Taubaté, tornou-se insuportável em outubro do ano passado, quando a empresa concedeu dois períodos intercalados de dez dias de férias coletivas devido à crise econômica.
Parado em casa, sem trabalhar e cheio de dívidas a pagar, José se agarrou ao álcool para resolver os seus problemas e só parou de beber com a ameaça da mulher em pedir divórcio.
"A crise me levou mais ainda para baixo, a um estado insuportável. Não aguentava mais ver minha família com medo de mim", disse.
Na mesma situação de José, uma média de 144 metalúrgicos passaram pelos mesmos problemas no ano passado e buscaram ajuda, por mês, na entidade Alcoólicos Anônimos do Vale do Paraíba e Litoral Norte com objetivo de se recuperar, um crescimento de 526% com relação a 97, quando foram atendidos 23 casos.
Segundo especialistas das áreas médica e sindical consultados pela Folha, os reflexos no país ocasionados pelas duas últimas crises financeiras -a de outubro de 97, provocada pela crise na Ásia, e a de meados de agosto de 98, em decorrência da moratória na Rússia- provocaram um aumento do número de casos de dependência química entre os metalúrgicos.
"A falta de perspectiva social e a frustração gerada em razão das crises econômicas levam a pessoa a querer fugir da realidade", disse o psiquiatra José Roberto Torres.
A Vila Serena, entidade de São José dos Campos que atende a funcionários que têm dependência química de oito grandes empresas metalúrgicas do Vale do Paraíba, detectou um crescimento alarmante do consumo de "drogas pesadas", como o crack.
Segundo Torres, que atende os pacientes da entidade, das 129 pessoas que procuraram ajuda no ano passado, 80% eram viciados em crack. Desde 95, foram atendidas 390 pessoas na entidade.
"A maioria está há três meses no trabalho, tem entre 20 e 24 anos. Isso leva a crer que eles consumiam drogas antes de entrar na empresa, quando estavam desempregados", disse.
Para Vagner Ferreira de Freitas, secretário das Políticas Sociais da Federação Estadual dos Metalúrgicos da CUT (Central Única dos Trabalhadores), há falta de visão do empresariado sobre a dependência química.
"A maioria das empresas quer mapear o problema da dependência química para demitir o funcionário e não para ajudá-lo. A Volks e a Ford têm um bom trabalho nessa área, mas ainda é preciso de avanços em outras empresas."



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