UOL


São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

Próximo Texto | Índice

COMPORTAMENTO

Em carro "normal", motorista sua frio, tem tremores e taquicardia

Blindados provocam "dependência"

Fernando Moraes/Folha Imagem
A arquiteta Mariana Caram diz que quer comprar um blindado para ter 'sensação de alívio'


LUÍS PEREZ
EDITOR-ASSISTENTE DE VEÍCULOS E CONSTRUÇÃO

Suadouro frio, tremores e taquicardia. Ou simplesmente a recusa de sair de casa em um automóvel sem blindagem -ou seja, a possibilidade de cerceamento do direito de ir e vir. São esses alguns dos sintomas dos "dependentes" de carros com esse tipo de proteção.
É custoso para quem se acostuma a sair de casa com um carro blindado voltar a usar um veículo "comum". A Folha ouviu usuários, especialistas em comportamento e empresas representantes da indústria de blindagem, que confirmam o diagnóstico.
E.B., 21, que não quer ser identificado (assim como boa parte dos donos de carros protegidos), circula há cerca de um ano com um Renault Clio 1.6 blindado.
"À noite não saio com outro carro. Assim me sinto mais seguro e relaxado", conta o estudante de administração. Ao cogitar a possibilidade de precisar usar um carro sem blindagem, ele diz ficar "ansioso e preocupado".
"Eu me sinto desprotegido. Prefiro ir de táxi", diz o administrador de empresas Emílio Marino Junior, 30, que vendeu dois carros para comprar um blindado.
Sua irmã, a pedagoga Anamaria Marino, 39, também não sai de casa à noite se o veículo não for blindado. Dona de um BMW Série 3 e de um Vectra blindados, também prefere o táxi a um não-blindado. "Na estrada não tenho tanto medo, caso precise viajar."

Relógio de pulso
Da insegurança nascem os "dependentes", que não conseguem largar mais os blindados. "Meu próximo carro vai ser blindado. O problema é que, quando vêem mulher, eles [os ladrões] vêm mesmo", afirma a arquiteta Mariana Cavalcanti Maia Caram, 26.
"Em um blindado vou poder colocar relógio para sair. Acho que daí não largo mais. Amigas que têm [blindados] dizem que é infinitamente diferente. O blindado vai me dar sensação de alívio", diz Caram, dona de um Citroën Picasso que não tem proteção.
"Não sou milionária. Se fosse, andaria com segurança." Ela já toma algumas medidas, como nunca deixar o carro na rua. "Só paro em estacionamento, pois tenho medo de ser abordada quando desço. Acho melhor ser assim do que desencanada", afirma.
"Essa dependência existe, é facilmente detectável e muito mais forte nas mulheres do que nos homens. Elas se sentem bem expostas dentro do carro", observa Gerson Branco, 49, diretor-presidente da ANDB (associação que atua na normatização de proteções balísticas) e presidente da Gepco, fabricante de vidros blindados.
"A chance de um homem puxar um trabuco e dar um tiro é significativa. A de uma mulher fazer o mesmo é quase zero."

Imobilismo
"Pode-se dizer que as pessoas desenvolvem um pavor, que gera imobilismo. É cerceador. O medo não me impede de reagir, o pavor sim", diagnostica Ana Bock, 50, presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica).
Para ela, é possível classificar alguns casos como patologia social. "São sintomas de sofrimento exagerado, mas com uma causa verdadeira. Pode haver casos de gente que enlouquece", afirma.
Prova do avanço desse sentimento -e do mercado da proteção- é a proliferação, em progressão geométrica, das blindagens. "As pessoas passam a depender desse tipo de coisa, que é uma segurança limitada àquele espaço específico", analisa Viviane Cubas, 28, socióloga do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo).
"A maioria tende a essa preocupação individualista, e a segurança pública, que seria o mais importante, fica em segundo plano."


Próximo Texto: Frase
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.