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SONINHA VAI ÀS COMPRAS [colunista em campo]
A TENTAÇÃO DOS PRAZERES BARATOS
Cronista milita contra consumismo, mas tem um fraco por quinquilharia
Julia Moraes/Folha Imagem
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Soninha e o gatinho que acabou arrematando, em uma banca na feira do sábado na praça Benedito Calixto, zona oeste de São Paulo |
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Faço campanha contra o
consumo exagerado, irrefletido, irresponsável. Uso e reúso
tudo o que tenho até não haver
mais possibilidade de remendo,
reforma ou meia-sola. Não faço
a menor questão de ter os aparelhos mais modernos, os armários cheios de cosméticos, a
moto mais possante. Sem contar as camisetas "sociais", que
ajudam a arrecadar dinheiro
para uma peça de teatro ou a reforma de um galpão, não lembro a última vez que comprei
roupa nova. As semi-novas são
tão mais baratas... Passo incólume por quase todo shopping
center (aliás, quase não vou).
Mas... Diante de uma promoção de DVDs, uma banca de
CDs ou LPs, uma pilha de revistas ou livros, meu impulso
aquisitivo quase atinge o descontrole. E é fácil justificar o
gasto (para mim mesma e meu
grilo falante): são bens culturais, isto é, saudáveis, nutritivos. Não se trata de mera gulodice. Comprá-los pode até ser
mais econômico: eu às vezes
alugo um DVD, atraso a devolução e pago sem assistir! É o dobro do preço da compra. E há
filmes que merecem ser "tidos"
e revistos por todo o sempre.
Pelo preço de um CD, não há
quase nada que se possa usar
por tanto tempo. Se for de segunda mão, custa o mesmo que
um sanduíche. E é bom comprar revistas, porque gosto delas e dou minha contribuição
para manter o mercado vivo e
palpitante. Gera empregos!
Livros, ora, livros nunca são
demais. Em último caso, posso
comprar para dar de presente.
Tenho estoque de presentes...
E ainda tem um ganho adicional: passo a ter novos elementos de mobília e decoração.
Pilhas de livros, revistas e CDs
ocupando chão, mesas e prateleiras, tapando as paredes... Diminui a necessidade de quadros, tapetes, enfeites. Dá até
para apoiar copos.
Claro que, depois de um tempo, sou obrigada a adquirir reforços: caixas, estantes, cestos,
mais prateleiras. E começo a
me perguntar se sou mesmo
digna de usar o crachá de "consumidora responsável"...
Levando o auto-exame
adiante, fazendo profunda
prospecção dos meus hábitos e
impulsos, preciso admitir que
outras compras também me tiram do eixo. Jóias? Perfumes?
Não: bugigangas. Caixinhas,
bloquinhos, cartões-postais, álbuns de papel reciclado, porta-retratos, velas, canecas, ímãs...
Não posso entrar em uma loja
de quinquilharias. Ou passear
na praça Benedito Calixto.
Quero todas. Caio fácil, fácil na
armadilha do prazer barato.
Precisei desenvolver métodos de contenção. Se eu não
usasse cartão de crédito, seria
fácil; bastaria gastar só o que
tem na carteira e acabou. Mas
não gosto de carregar dinheiro
e gosto de acumular milhas. Já
que o meio de pagamento facilita o descontrole, preciso recorrer a outro instrumento que
favoreça a racionalidade.
Adotei um que me acompanha há anos: um caderninho. E,
quando possível, a câmera fotográfica, que cabe no meu bolso.
Meu caderninho serve para
anotar lembranças de viagem,
frases ouvidas ou lidas, idéias
para colunas, coisas para fazer
e... coisas que gostaria de comprar. Entro em uma loja cheia
de tentações e anoto tudo. O
que é e quanto custa. Se puder,
fotografo (nem todo mundo
gosta ou deixa). E vou embora,
sem comprar nada.
Paro para almoçar, sento embaixo de uma árvore, durmo e
acordo, espero o tempo passar.
Olho o caderno: o que continua
parecendo superlegal no dia seguinte? Rabisco a lista, faço as
contas e volto lá. Acabo comprando no máximo metade.
Engraçado é que não fica uma
sensação de privação e sacrifício; parece que, tendo anotado
os objetos, os possuí por um
tempo. Com as fotos, então, às
vezes nem preciso mais deles.
Os que decido comprar são os
que quero rever "pessoalmente". Não é um bom critério?
Antes de levar alguma coisa
para casa, certifique-se de que
quer sua companhia duradoura. Se não tiver vontade de telefonar, ou melhor, encontrar a
bugiganga no dia seguinte, não
compre. Por mais que ela sorria, sedutora e baratinha.
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