São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2007

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SONINHA VAI ÀS COMPRAS [colunista em campo]

A TENTAÇÃO DOS PRAZERES BARATOS

Cronista milita contra consumismo, mas tem um fraco por quinquilharia

Julia Moraes/Folha Imagem
Soninha e o gatinho que acabou arrematando, em uma banca na feira do sábado na praça Benedito Calixto, zona oeste de São Paulo


SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Faço campanha contra o consumo exagerado, irrefletido, irresponsável. Uso e reúso tudo o que tenho até não haver mais possibilidade de remendo, reforma ou meia-sola. Não faço a menor questão de ter os aparelhos mais modernos, os armários cheios de cosméticos, a moto mais possante. Sem contar as camisetas "sociais", que ajudam a arrecadar dinheiro para uma peça de teatro ou a reforma de um galpão, não lembro a última vez que comprei roupa nova. As semi-novas são tão mais baratas... Passo incólume por quase todo shopping center (aliás, quase não vou).
Mas... Diante de uma promoção de DVDs, uma banca de CDs ou LPs, uma pilha de revistas ou livros, meu impulso aquisitivo quase atinge o descontrole. E é fácil justificar o gasto (para mim mesma e meu grilo falante): são bens culturais, isto é, saudáveis, nutritivos. Não se trata de mera gulodice. Comprá-los pode até ser mais econômico: eu às vezes alugo um DVD, atraso a devolução e pago sem assistir! É o dobro do preço da compra. E há filmes que merecem ser "tidos" e revistos por todo o sempre.
Pelo preço de um CD, não há quase nada que se possa usar por tanto tempo. Se for de segunda mão, custa o mesmo que um sanduíche. E é bom comprar revistas, porque gosto delas e dou minha contribuição para manter o mercado vivo e palpitante. Gera empregos!
Livros, ora, livros nunca são demais. Em último caso, posso comprar para dar de presente. Tenho estoque de presentes...
E ainda tem um ganho adicional: passo a ter novos elementos de mobília e decoração. Pilhas de livros, revistas e CDs ocupando chão, mesas e prateleiras, tapando as paredes... Diminui a necessidade de quadros, tapetes, enfeites. Dá até para apoiar copos.
Claro que, depois de um tempo, sou obrigada a adquirir reforços: caixas, estantes, cestos, mais prateleiras. E começo a me perguntar se sou mesmo digna de usar o crachá de "consumidora responsável"...
Levando o auto-exame adiante, fazendo profunda prospecção dos meus hábitos e impulsos, preciso admitir que outras compras também me tiram do eixo. Jóias? Perfumes? Não: bugigangas. Caixinhas, bloquinhos, cartões-postais, álbuns de papel reciclado, porta-retratos, velas, canecas, ímãs... Não posso entrar em uma loja de quinquilharias. Ou passear na praça Benedito Calixto. Quero todas. Caio fácil, fácil na armadilha do prazer barato.
Precisei desenvolver métodos de contenção. Se eu não usasse cartão de crédito, seria fácil; bastaria gastar só o que tem na carteira e acabou. Mas não gosto de carregar dinheiro e gosto de acumular milhas. Já que o meio de pagamento facilita o descontrole, preciso recorrer a outro instrumento que favoreça a racionalidade.
Adotei um que me acompanha há anos: um caderninho. E, quando possível, a câmera fotográfica, que cabe no meu bolso.
Meu caderninho serve para anotar lembranças de viagem, frases ouvidas ou lidas, idéias para colunas, coisas para fazer e... coisas que gostaria de comprar. Entro em uma loja cheia de tentações e anoto tudo. O que é e quanto custa. Se puder, fotografo (nem todo mundo gosta ou deixa). E vou embora, sem comprar nada.
Paro para almoçar, sento embaixo de uma árvore, durmo e acordo, espero o tempo passar. Olho o caderno: o que continua parecendo superlegal no dia seguinte? Rabisco a lista, faço as contas e volto lá. Acabo comprando no máximo metade. Engraçado é que não fica uma sensação de privação e sacrifício; parece que, tendo anotado os objetos, os possuí por um tempo. Com as fotos, então, às vezes nem preciso mais deles. Os que decido comprar são os que quero rever "pessoalmente". Não é um bom critério?
Antes de levar alguma coisa para casa, certifique-se de que quer sua companhia duradoura. Se não tiver vontade de telefonar, ou melhor, encontrar a bugiganga no dia seguinte, não compre. Por mais que ela sorria, sedutora e baratinha.


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