São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009

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Tudo sem sair de casa

O velho estilo de vendas por "relacionamento" cresce e não se abala com a crise; mulheres são as mais adeptas

Renato Alarcão


ANNETTE SCHWARTSMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sabe a revendedora Avon que sua avó costumava receber em casa? Ela é símbolo de um antigo modelo de negócio que vai de bem a melhor por aqui.
Nesse sistema, ninguém enfrenta trânsito, disputa vaga nem gasta sapato para olhar vitrines. Dá para comprar quase tudo sem tirar o pé de casa. E não tem nada a ver com comércio eletrônico: a venda direta, ou venda por relacionamento, é algo bem mais antigo.
Esse tipo de consumo não ocorre em lojas reais nem virtuais, mas em círculos sociais. É o caso daquela vizinha da sua colega que é "consultora" de beleza e aparece no escritório distribuindo produtos encomendados e anotando pedidos.
Integram esse segmento de venda direta desde multinacionais como Amway e Avon até nacionais como Natura. Pelas coisas que vendem, não é difícil deduzir que a maioria dos seus consumidores é do sexo feminino: segundo a Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABEVD), 88% de suas associadas vendem itens de cuidados pessoais; 6% vendem suplementos nutricionais, 5% vendem cuidados do lar e 1%vendem serviços.
Essas empresas não se abalam com a crise. Movimentaram R$ 4,4 bilhões no primeiro trimestre, representando crescimento de 18% em relação ao mesmo período de 2008 (a expansão do comércio varejista, no período, foi de apenas 3,8%).
Uma das explicações para esse desempenho, segundo Lírio Cipriani, presidente da ABEVD, é que o setor de venda direta trabalha com produtos de valores baixos. "Como a crise afetou o consumo de bens duráveis, o dinheiro que deixou de ser gasto para renová-los passou a ser usado em cuidados pessoais, principais itens comercializados nesse modelo."
Outro motivo é o crédito. Na venda direta, tudo é baseado na confiança, já que em 99% dos casos vendedores e compradores se conhecem. "Não é aquele crédito formal das lojas que, para conseguir, o sujeito precisa preencher cadastros intermináveis e comprovar rendimentos", compara Cipriani.
Além disso, a venda direta funciona como fonte de renda alternativa. "Como a crise reduziu os empregos formais, nesse momento a venda direta se oferece como forma fácil de obter rendimentos sem grandes investimentos. Os kits são baratos, o revendedor recupera rapidamente o dinheiro", diz.
É o caso de Massako Tsujita Hirakawa, 72, e sua filha Maria Aparecida, 43. A mãe, viúva e revendedora da Avon desde 1962, criou a menina com o que ganhava nas vendas porta a porta. Hoje, é dona de três imóveis. A filha, que cresceu ajudando a mãe a separar batons pela cor, formou-se em psicologia, com mestrado e tudo. Mas acabou largando a carreira para dedicar-se às vendas. Hoje, tem 500 clientes fixos e estima seus ganhos mensais em R$ 10 mil.
Mãe e filha fazem parte de um contingente de revendedoras que hoje somam 5 milhões de pessoas (ver texto ao lado).
Solange Gonçalves, 46, revendedora do grupo Hermes há oito anos, dedica tempo integral à atividade e diz que ganha mais de R$ 2.000 por mês vendendo, principalmente, roupas. No início, batia de porta em porta oferecendo novidades a desconhecidos. Hoje, tem uma clientela fiel de 150 pessoas, que visita em residências e locais de trabalho.
Para o consumidor, além da comodidade óbvia de não precisar se deslocar para ter em mãos o objeto do desejo, conta também o fato de que é quase sempre possível ver uma demonstração ou até testar o produto antes da compra. "Quando escolho um hidratante ou xampu, posso sempre experimentar e tirar dúvidas", diz Maria de Castro Gonçalves, 60, que faz seus pedidos da Natura para a tia de seu marido, que é consultora há mais de 20 anos.
Em outras palavras, a venda direta oferece uma experiência de varejo personalizada com pessoas que conhecem bem os produtos -uma combinação conveniente e informativa, nem sempre disponível nas lojas físicas, e nunca nas virtuais.
Para Maria José Constâncio, 62, que costuma gastar cerca de R$ 40 por mês em itens para casa do grupo Hermes, outras vantagens são a facilidade para negociar a forma de pagamento e trocar o produto caso haja defeito. "Sinto que o meu dinheiro é valorizado, o que nem sempre acontece nas lojas", diz.


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