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BAGAGEM [compras mundo afora]
Olá, Lênin
Em Moscou, turistas consomem badulaques do regime comunista
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O protagonista do genial
"Adeus, Lênin" passa o filme
todo se esforçando em remontar um microcosmo comunista
no quarto da mãe adoentada,
que estava em coma quando o
Muro de Berlim caiu e não suportaria a nova realidade. Para
tanto, o jovem busca em lixeiras todo o tipo de tranqueira do
governo que batera as botas. Se
o personagem do filme de 2003
vivesse na Moscou de 2008, sua
vida seria muito mais fácil.
O regime fundado por Lênin
acabou há 17 anos, mas o comércio de badulaques comunistas segue a todo vapor, mais
por obra de um certo culto ao
kitsch soviético do que por uma
nostalgia real -quem tem saudade da URSS vota nos comunistas, não vai às compras.
A lista começa por pequenas
estátuas de ferro do velho Vladimir, encontráveis nas banquinhas da rua Arbat, no centro
moscovita. Um exemplar pequeno sai por R$ 20, a depender do seu poder de barganha
com as senhoras idosas que disputam os turistas a rosnados.
As passagens subterrâneas
sob as grandes avenidas, como
a Tverskaia, são ótimos lugares
para encontrar toda sorte de
vestimenta militar -de quepes
a capacetes do Exército Vermelho, que custam entre R$ 40 e
R$ 100, dependendo do estado
de conservação. Outro hit são
as camisas listradas de marinheiro, a R$ 17 o modelo de
mangas longas, mas elas podem
ser associadas tanto à nostalgia
kitsch quanto ao consumo fetichista gay -algo meio "Querelle", digamos assim.
As feiras ao ar livre, que vendem absolutamente de tudo,
são bons pontos para garimpar
lembrancinhas. Uma dessas
mecas é a Ismailovski, no parque e estação de metrô homônimos. Lá, todo tipo de pin
(R$ 2 para broche com navio da
Frota Vermelha), telefone anos
50 (R$ 100) e até velas com a
efígie de Josef Stalin (R$ 10).
Gordura histórica
Mas nem tudo é tão barato.
Mais na linha "soviet chic", há
lugares como a Gastronom nº 1,
uma loja para gourmets que dedica boa parte de suas prateleiras à antiga mania soviética de
enlatar tudo. Com visual retrô,
ainda que não de forma proposital, latinhas com carne de boi,
de frango, de vaca e de peixe dividem espaço com azeites italianos e azeitonas gregas, trufas
e outros itens bacanas.
As latinhas saem por cerca de
R$ 10 cada uma, duas vezes
mais que nos mercadinhos de
esquina, espalhados pela capital russa. Mas é uma experiência soviética, no registro mais
preconceituoso: a carne de vaca, por exemplo, é conservada
numa gordura que parece estar
lá desde que Kruschov dava as
ordens no Kremlin. Em compensação, os sucos em grandes
vidros de três litros são tão artificiais quanto deliciosos. Saem
por cerca de R$ 9 na Gastronom e metade disso na rua.
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