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DIA DO CONSUMIDOR
"Malas" que chiam sem razão
Eles esperneiam e usam operadores de call center como saco de pancadas quando não conseguem o que querem
DÉBORA MISMETTI
EDITORA-ASSISTENTE DO VITRINE
Gente irritada, que não ouve,
xinga e humilha quem está do
outro lado da linha faz parte do
cotidiano do operador de call
center Marcelo Rezende, 39.
"Tem quem fale para eu ficar
quieto porque paga meu salário." Nessas horas, ele aciona a
tecla "mudo" do telefone, que
impede o consumidor de escutar o que ele diz. "Aí também
descarrego, digo "puxa, então
está pagando muito pouco!'"
A falta de atenção dos consumidores a cláusulas de contratos firmados no momento da
compra causa muitos dos atritos ao telefone, segundo Alexandra Periscinoto, presidente
da empresa de call center
SPCom. "O consumidor acha
que tem direito acima do próprio direito. O trabalho da imprensa e de leis dizendo que nenhum call center presta também coloca uma gasolina a
mais", afirma. Nesses casos de
conflitos, Alexandra diz que os
funcionários são treinados para entender que o xingamento
não é com ele.
A coordenadora de clientes
de uma empresa de telefonia,
que pediu para não ser identificada, diz que as ligações problemáticas sempre começam com
o consumidor falando alto, se
recusando a dar dados e acusando a empresa de má conduta. Geralmente, essas pessoas já
ligaram para a empresa antes e
não tiveram sucesso.
Um caso comum é o de clientes que se esquecem de pagar a
conta e têm a linha bloqueada.
"Aí a pessoa paga e liga imediatamente para cá. Mas o atendente não vai conseguir religar
a linha enquanto o banco não
comunicar o pagamento à empresa", diz a coordenadora. O
consumidor acaba pondo a culpa no operador e fica bravo
quando ele não consegue resolver o problema de imediato.
Os operadores são treinados
para manter a calma e ouvir o
cliente quando ele está nervoso. "Fazemos simulações de ligações. Eles são instruídos a
não interromper, a ouvir mais.
Mas é difícil. Há situações em
que o atendente acaba respondendo", diz a coordenadora.
Viciados em SAC
Se muitos consumidores detestam ligar para SACs, têm pesadelos com a música da espera
e ojeriza aos discursos padronizados dos atendentes, alguns
fazem disso um hábito, e ligam
mesmo quando não há nenhum
problema a resolver.
O aposentado Mario Polo, 64,
por exemplo, tem 44 contatos
registrados no SAC da Nestlé,
nos últimos seis anos. Ele conta
que liga para a empresa para tirar dúvidas sobre alimentação
e pegar receitas. "Sou diabético
e não tenho ninguém para me
ajudar. Ligo para perguntar sobre quais alimentos posso comprar. Já perguntei também
quando eles vão fazer leite condensado diet, porque adoro,
mas não posso comer."
O aposentado já ligou também para fazer uma reclamação: comprou um sorvete que
estava "sem gosto". "Logo vieram entregar outro na minha
casa", diz ele.
A gerente de relacionamento
da Nestlé, Marcia Abreu, diz
que há muitos consumidores
com uma ligação emocional
com a marca, que ligam muitas
vezes, pedindo receitas e informações. "Acompanhamos todo
o histórico da pessoa na companhia. A gente conhece todas
as demandas que ela tem aqui
dentro. É uma informação estratégica sobre o consumidor,
que se soma às pesquisas de
mercado", diz a executiva.
E não é só para a Nestlé que
Mario Polo telefona. Ele já ligou para a Coca-Cola, para reclamar de uma garrafa de água
que não parava em pé, e também recebeu outra em substituição. "Liguei para uma marca
de feijão, quando encontrei
uma pedra no pacote, para um
macarrão que veio com um
probleminha, para a Sadia,
quando veio uma linguiça com
muita gordura, e para a Mellita,
porque o café não estava bom."
Ele diz que é bem tratado, na
maioria das vezes. "Um atendente já me falou para ir procurar o Procon, mas prefiro ligar
para a empresa. O Procon só
quer saber de indenização. Eu
não, eu me preocupo com a
qualidade do produto."
A cantada e o peru
O assédio moral sofrido pelos
operadores de call center às vezes é substituído pelo sexual
mesmo. O atendente Marcelo
Rezende conta que já levou
muitas cantadas no telefone. "A
pessoa pede para eu adicionar
no Orkut, no MSN, para anotar
o telefone", diz. Mas, pelas regras do trabalho, ele não pode
fazer isso. "Tem gente que é
muito insistente. Aí eu falo que
tenho o e-mail no cadastro, o
telefone, mas não prometo ligar. Às vezes, tenho que fingir
que não ouvi."
As situações cômicas também acontecem. Em novembro
do ano passado, uma cliente ligou no call center onde ele trabalha pedindo para cancelar
sua assinatura de internet, porque havia perdido o modem.
"Insisti, perguntei se ela não
queria procurar mais, se as
crianças não tinham pegado.
Até que ela falou: "Na verdade,
acho que meu peru comeu o
modem'". A moça tinha uma
criação em casa, e não queria
matar o bichinho para pegar de
volta o aparelho. "Eu até sugeri
para ela dar uma bebidinha para o peru e matá-lo, mas ela não
quis." A solução foi encaminhar
a moça a uma loja da operadora
para comprar outro modem.
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