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Vinicius Torres Freire vai às compras (colunista em campo)
Frescura com 'sustança'
Colunista esquece derivativos de crédito e política econômica cozinhando massas com papada de porco ou frutas com mostarda
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Carne da papada de porco.
Não parece, assim, uma delícia.
Um "bucatini alla matriciana"
servido em Roma soa melhor. A
receita leva bucatini, um tubo
fino de massa seca, comprida
feito espaguete, com molho de
tomates e queijo pecorino. O
tomate é salteado com cebola e
tirinhas de papada curada,
"guanciale", refogado em banha. Sim, banha de porco. É autêntico, certo? Ótimo e barato.
"Guanciale" ficou difícil de
achar, mesmo com a moda gastronômica, até em Roma. Aqui,
ninguém compra. Papada fresca se acha no Mercado Municipal do centro (mas lá não tem
cara de boi, delícia de açougues
de Paris). Dá para fazer "guanciale" em casa, mas "pancetta"
é um substituto aceitável.
"Pancetta", "barriguinha", é
o toucinho da parte inferior da
barriga do porco (a lateral da
barriga do porco chama-se "lardo"). Fresca, é a carne de toucinho ideal para torresmo.
No uso italiano mais geral, é
enrolada e curada com pimenta, e não defumada, como bacon. Não use bacon no lugar da
"pancetta" curada, encontrável
nos mercados melhores da cidade, italiana ou nacional.
Do raro e caro ao raro e barato dá para comprar muitos dos
produtos certos para cozinhar
à italiana, francesa etc. Mas é
moda inovar com ingredientes
"brasileiros", "locais". Há uma
idéia culinária básica a estimular a tendência, embora definir
"brasileiro" seja difícil.
O ingrediente local é fresco,
adaptado ao clima, à terra e à
memória regionais. Mas frutos
da Amazônia ou do cerrado,
ainda que coisas boas, não são
"locais" para uma terra caipira,
italiana, nordestina, árabe, japonesa etc., como São Paulo.
Também não é preciso se
aferrar a mandioca, rapadura,
tutu, abóbora, porco, angus e
farofas de milho com aparas de
carne, bases da comida do Sudeste até o século 20.
Vale a pena fazer "tortelli alla
mantovana", massa recheada à
moda de Mântua e norte da Itália. Tem de fazer em casa a massa fresca (farinha de trigo e
ovos). Dá trabalho, mas não é
difícil. Para aumentar a frescura, use farinha "doppio zero",
00, italiana, moída mais fina.
A graça é o recheio, mistura
medieval de salgado, doce e picante. Leva purê de abóbora seca no forno, "mostarda di fruta"
e biscoitos amaretti esfarelados, noz-moscada, grana ou parmesão ralado, tudo picado e misturado a uma gema.
Molho: só manteiga com sálvia
e um chuvisco de parmesão. De
entrada, recheie flores de abobrinha com vitela moída ou ricota temperada à gosto e frite
(pode ser sem empanar).
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