São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2007

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Vinicius Torres Freire vai às compras (colunista em campo)

Frescura com 'sustança'

Colunista esquece derivativos de crédito e política econômica cozinhando massas com papada de porco ou frutas com mostarda

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Carne da papada de porco. Não parece, assim, uma delícia. Um "bucatini alla matriciana" servido em Roma soa melhor. A receita leva bucatini, um tubo fino de massa seca, comprida feito espaguete, com molho de tomates e queijo pecorino. O tomate é salteado com cebola e tirinhas de papada curada, "guanciale", refogado em banha. Sim, banha de porco. É autêntico, certo? Ótimo e barato.
"Guanciale" ficou difícil de achar, mesmo com a moda gastronômica, até em Roma. Aqui, ninguém compra. Papada fresca se acha no Mercado Municipal do centro (mas lá não tem cara de boi, delícia de açougues de Paris). Dá para fazer "guanciale" em casa, mas "pancetta" é um substituto aceitável.
"Pancetta", "barriguinha", é o toucinho da parte inferior da barriga do porco (a lateral da barriga do porco chama-se "lardo"). Fresca, é a carne de toucinho ideal para torresmo.
No uso italiano mais geral, é enrolada e curada com pimenta, e não defumada, como bacon. Não use bacon no lugar da "pancetta" curada, encontrável nos mercados melhores da cidade, italiana ou nacional.
Do raro e caro ao raro e barato dá para comprar muitos dos produtos certos para cozinhar à italiana, francesa etc. Mas é moda inovar com ingredientes "brasileiros", "locais". Há uma idéia culinária básica a estimular a tendência, embora definir "brasileiro" seja difícil.
O ingrediente local é fresco, adaptado ao clima, à terra e à memória regionais. Mas frutos da Amazônia ou do cerrado, ainda que coisas boas, não são "locais" para uma terra caipira, italiana, nordestina, árabe, japonesa etc., como São Paulo.
Também não é preciso se aferrar a mandioca, rapadura, tutu, abóbora, porco, angus e farofas de milho com aparas de carne, bases da comida do Sudeste até o século 20.
Vale a pena fazer "tortelli alla mantovana", massa recheada à moda de Mântua e norte da Itália. Tem de fazer em casa a massa fresca (farinha de trigo e ovos). Dá trabalho, mas não é difícil. Para aumentar a frescura, use farinha "doppio zero", 00, italiana, moída mais fina.
A graça é o recheio, mistura medieval de salgado, doce e picante. Leva purê de abóbora seca no forno, "mostarda di fruta" e biscoitos amaretti esfarelados, noz-moscada, grana ou parmesão ralado, tudo picado e misturado a uma gema. Molho: só manteiga com sálvia e um chuvisco de parmesão. De entrada, recheie flores de abobrinha com vitela moída ou ricota temperada à gosto e frite (pode ser sem empanar).


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