São Paulo, sábado, 26 de setembro de 2009

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CAPA

VESTIDAS
PARA VENDER PARA COMPRAR

Quem consome faz pose, quem vende também e todas são doentes por grifes; o que muda é o preço que cada lado do balcão paga por esses trófeus de guarda-roupa

Adriano Vizoni/Folha Imagem
Rejane, Anahi e Jihane posam em frente a vitrine dos Jardins,em SP


PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Feitas as contas, o look da gerente da loja Christian Dior da rua Haddock Lobo, Ana Paula Salomão, 41, vale cerca de R$ 10 mil em peças da grife. Só o paletó -ou veste- custa R$ 5.200. Não pagou por nada.
"Uma das coisas que me conquistaram quando a diretora da marca no Brasil me chamou para trabalhar foi essa facilidade." Ana Paula gosta especialmente das saias da grife francesa. "Tenho umas quatro."
Muito chique. O problema é que os looks excessivos das vendedoras, nessas butiques de luxo, podem intimidar a consumidora potencial e fazê-la relutar a entrar na loja. "Se eu tiver saído de casa de chinelo e camiseta, só entro se tiver o dinheiro e a certeza de que vou comprar", diz a bailarina Rejane Cruz, 37. Ela passeia a esmo, pelos Jardins, com as advogadas Jihane Halabi, 26, e Anahi Llop, 27. "Uma vez, a gente entrou na Daslu e a menina nos encaminhou direto para as promoções", diz Cruz. "Você se sente diminuída, é horrível."
Em uma volta, no sábado, pelas abarrotadas calçadas da Oscar Freire e arredores, nota-se que a mulherada também se monta para ir às compras.
"Muitas dessas meninas que trabalham em loja são arrogantes. Não sei se é inveja, mas parece que avaliam a gente antes de atender. Isso é péssimo para a marca", diz a arquiteta Alessandra Cavalcanti, 38, que usa óculos Prada, sapatilhas Chanel, bolsa Chloé, short Daslu e camiseta Urban Outfitters.
No provador da Dior, a relações-públicas Heloísa Bandeira, 20, dá "graças a Deus" de já ter entrado "em uma loja assim" fora do Brasil: "Quando você já esteve em uma Dior na Europa, ou numa Gucci, numa Prada, você desmistifica essa aura que envolve as grifes importadas aqui. Passa a ser normal", acha ela, que foi de Santo André até os Jardins para comprar um "vestido corporativo" (pago pela empresa, para ser usado em festa de trabalho).

30% do salário
Do outro lado do balcão, as vendedoras precisam estar apresentáveis, com roupas da própria marca. O que as deixa maravilhadas é a chance de ter de graça, ou pagando menos, aquilo que vendem por uma fortuna. É comum que se tornem mais viciadas em compras que suas perdulárias clientes.
"Não tenho mais onde guardar tanta roupa", diz Mariah Oliveira, que vende Marc Jacobs na multimarcas NKStore.
Como se sofresse de uma doença autoimune, Mariah gasta 30% do que ganha na NK em peças da própria NK. Já que seu salário, segundo ela mesma, chega a R$ 7.000, deduz-se que "devolva" R$ 2.100 para a marca que a emprega. "Natural que quem trabalhe com roupa goste de roupa", acha a gerente da loja, Ana Cristina Ramos.
Ali e na Daslu, sugere-se que as moças usem roupas da grife, inclusive fora do horário de trabalho. Ex-dasluzete, Ana Paula Salomão lembra: "Se a Eliana [Tranchesi, diretora da butique] nos visse na praia com um jeans que não fosse da loja, ela nos puxava num canto e cobrava: "Que história é essa!?'"
A assessoria da Daslu não retornou as ligações da Folha. Já a da NKStore diz: "Vendedora inteligente usa a roupa fora da loja, pois aumenta as oportunidades de venda".
Um grupo de cinco vendedoras inteligentes entra em alvoroço quando o fotógrafo pede uma pose. Nesse dia, as moças usam camiseta básica com o nome de Marc Jacobs escrito em letras grandes.
Todas altas, todas esguias, todas de cabelos obedientes, elas explicam que a cliente que comprar R$ 1.000 leva a camiseta, que custa R$ 190. A renda é revertida para uma instituição de caridade. Todas acham a camiseta "fofa", mas definitivamente não é o tipo de peça que as deixa transtornadas. Elas a esquecem facilmente por "aquela bolsa matelassada Balenciaga" ou "aquele twinset Givenchy" -que passam a ser a próxima grande conquista de suas vidas, até que consigam levá-las para o armário lotado e comecem a pensar em outras.
Em geral, vendedoras têm descontos de até 50% nas peças nacionais e 25% nas importadas -sem contar os bazares, que chegam a oferecer itens por 10% do preço, e aos quais elas têm acesso antecipado.
"Uma vez eu comprei um Dolce (&Gabbana) drapeado, eterno, que custava R$ 7.000, por R$ 700", lembra Tatiana Monteiro de Barros, ex-dasluzete e hoje dona da La Perla, marca italiana de lingerie.
Coberta por um mantô azul petróleo Isabella Giobbi, vestido H&M ("é uma loja tipo C&A: adoro essa mistura", explica) e bolsa Hermès vintage da vovó, ela sorri com muitos dentes e sacode a cabeleira repicada à Farah Fawcett. "Minha avó era uma das dez mais elegantes de São Paulo e me deu força pra fazer contato com a La Perla. Herdei dela um guarda-roupa incrível, duas (bolsas) Kelly, dois casacos de vison e o gosto por camisolas. Tenho umas 80", afirma.
No ambiente dos importados, pagar R$ 350 por uma calcinha é a coisa mais natural do mundo. Por isso, Tatiana orienta sua vendedora a informar os preços "sem fazer expressão de absurdo, mesmo que ela [a vendedora] use lingerie de R$ 10". "São realidades diferentes. Nossa cliente é "heavy user". Tem gente que, no período fértil, compra camisola de R$ 1.200 para engravidar."
Vivendo em um mundo à parte, vendedoras que trabalham com o público AA se confundem ao avaliar a cliente: "O dinheiro mudou de mãos, você não sabe mais que cara tem a rica e a pobre", repetem.
Mal avaliada na Louis Vuitton do shopping Iguatemi, a estudante de direito Andréia Natel conta que saiu sem a bolsa que pretendia comprar. "Minha avó me deu R$ 2.500 no meu aniversário, especialmente para comprar a bolsa. Não sei se porque eu estava de jeans e havaiana, as vendedoras me deixaram num canto um tempão, até que fui embora."

Preço promocional
Na Calvin Klein Collection, loja de roupas exclusivas assinadas pelo brasileiro Francisco Costa, as vendedoras "vitrinam" peças (usam e, eventualmente, devolvem nas araras).
Numa quinta, loja às moscas, duas conversam distraidamente sobre... roupas. Uma está vitrinando um paletó de R$ 960. "É "preço promocional': custava R$ 2.400", diz, usando a enganosa expressão que costuma levar ela mesma a endividar-se até a raiz da chapinha. "Achou caro?", pergunta. "E o que me diz da jaqueta de R$ 17 mil?".
Em todos os casos, os vendedores devem usar roupas da estação. A exceção é a Dior, que, de acordo com Rosângela Lyra, diretora da marca, "é eterna". "Isso tem tudo a ver com o momento de pouca ostentação, de consumo consciente que a gente está vivendo. A mulher quer peças que durem para sempre."
O leitor entendeu. Nesse momento de pouca ostentação, é de bom-tom comprar só uma bolsa de R$ 4.000. No máximo, um casaquinho de R$ 5.200 e um sapato de R$ 1.800.


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