São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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A ÚLTIMA COISA QUE ELE NÃO COMPROU

KALLE LASN, fundador da Adbusters e coordenador do "Buy Nothing Day"

Ontem não comprei um hambúrguer do McDonald's.
Estava faminto, saindo de uma reunião e a caminho de outra, e passei ao lado de uma lanchonete da rede. De verdade: eu estava doido para comer uma porção de fritas e um Big Mac. Mas me controlei.
Afinal, são mais de 17 anos de treino, dia após dia, contra mim mesmo e as minhas vontades. Isso é o fundamental: treinar. Vai levar um bom tempo, mas não se preocupe. Treine que você consegue. E não fi quei com fome. Andei uns passos a mais e parei em um pequeno restaurante do meu bairro. Preferi dizer sim ao comerciante local. É nele que confi o mais.

ENTREVISTA KALLE LASN

O inimigo mortal da 'doença' do consumo

DA REPORTAGEM LOCAL

Kalle Lasn é um sujeito religioso. Fala sobre consumismo e os malefícios da publicidade com a mesma empolgação de um fanático em guerra contra o demônio. É um pregador, na essência. Esse estoniano de 66 anos é o responsável por uma das maiores campanhas mundiais anticonsumo. Criou há 20 anos, com Bill Schmalz, em Vancouver, Canadá, a Adbusters, ONG que publica uma revista bimestral com a sua pregação social, ambiental e não-consumista.
Para essa pregação, ele usa o mesmo veneno que acusa na oposição: peças com linguagem publicitária para abdução de seus adeptos e venda de "material de campanha" para a difusão de suas idéias. De seu escritório em Vancouver, ele falou à Folha, por telefone. (JWC)

 

FOLHA - Consumo é doença?
KALLE LASN
- Sim, consumo é doença. Foi a onda consumista que levou o planeta à mudança climática e, finalmente, agora, nos levou a esta enorme crise financeira e econômica que estamos vivendo, a maior de toda a história da humanidade.

FOLHA - Então, na sua opinião, o consumidor é o grande culpado pela crise dos mercados?
LASN
- Sem dúvida. O problema é o consumo do grupo formado pelo um bilhão de pessoas mais ricas do planeta que consomem 86% de tudo o que é produzido. O que significa que cinco bilhões ficam, teoricamente, com os 14% restantes da produção, o que não é justo.

FOLHA - O que os "consumistas" fizeram para isso?
LASN
- Eles compraram mais do que poderiam. Pegaram dinheiro emprestado ou usaram as economias para comprar casas, carros, ou seja, mergulharam as suas vidas nisso e chafurdaram-se em dívidas nos últimos 20 anos.

FOLHA - Dizendo isso, o senhor desengana o mundo. É o fim?
LASN
- Não, a solução é pensar nossas vidas de forma diferente. Começando por este dia 29, hoje, aderindo à campanha do Buy Nothing Day (Dia de Não Consumir), e deixando o lado negro do consumismo.

FOLHA - Como mudar o jeito de pensar de pessoas em lugares tão diferentes como África, Europa, Brasil e Estados Unidos?
LASN
- Consumismo é consumismo em qualquer lugar, porque foi algo surgido após a Segunda Guerra, em países da Europa e nos Estados Unidos. É o capitalismo que tomou o mundo há mais de 50 anos e vem destruindo todas as outras culturas. Se você for ao Butão, ao Tibete ou mesmo ao México vai notar isso.

FOLHA - Mas Tibete é um exagero.
LASN
- Sim, porque você nota que foi criada uma única cultura consumista que tomou todo o planeta. É preciso mudar a maneira como a informação atinge as pessoas, como o mundo corporativo e as agências de publicidade emanam informações para as pessoas comuns. O mercado publicitário é uma das principais máquinas geradoras da cultura de consumo, movimentando US$ 1 trilhão por ano. Enviam mensagens de "comprar, comprar, comprar," afirmam que vamos ser felizes se comprarmos.

FOLHA - É verdade que quem compra é feliz?
LASN
- Crescemos em meio a essa saraivada de informações de compra acreditando piamente que quem compra pode ser feliz. E o mercado publicitário estimula ainda mais essa coisa absurda de que, se você compra um produto que se tornou um objeto do desejo, um item "cool", você pode ser feliz.

FOLHA - Mas hoje, no "Buy Nothing Day", não posso comprar nem mesmo um ingresso de cinema?
LASN
- É um desafio, realmente. Nada. É um momento de transformação em que precisamos nos botar à prova e não consumir nada, com o objetivo de buscar as mudanças fundamentais para termos um planeta melhor para vivermos. É uma forma de protesto.


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