|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A ÚLTIMA COISA QUE ELE NÃO COMPROU
KALLE LASN, fundador da Adbusters e coordenador do "Buy Nothing Day"
Ontem não comprei um hambúrguer do McDonald's.
Estava faminto, saindo de uma reunião e a caminho
de outra, e passei ao lado de uma lanchonete da
rede. De verdade: eu estava doido para comer uma
porção de fritas e um Big Mac. Mas me controlei.
Afinal, são mais de 17 anos de treino, dia após dia,
contra mim mesmo e as minhas vontades. Isso é o
fundamental: treinar. Vai levar um bom tempo, mas
não se preocupe. Treine que você consegue. E não
fi quei com fome. Andei uns passos a mais e parei em
um pequeno restaurante do meu bairro. Preferi dizer
sim ao comerciante local. É nele que confi o mais.
ENTREVISTA KALLE LASN
O inimigo mortal da 'doença' do consumo
DA REPORTAGEM LOCAL
Kalle Lasn é um sujeito religioso. Fala sobre consumismo e
os malefícios da publicidade
com a mesma empolgação de
um fanático em guerra contra o
demônio. É um pregador, na essência. Esse estoniano de 66
anos é o responsável por uma
das maiores campanhas mundiais anticonsumo. Criou há 20
anos, com Bill Schmalz, em
Vancouver, Canadá, a Adbusters, ONG que publica uma revista bimestral com a sua pregação social, ambiental e não-consumista.
Para essa pregação, ele usa o
mesmo veneno que acusa na
oposição: peças com linguagem
publicitária para abdução de
seus adeptos e venda de "material de campanha" para a difusão de suas idéias. De seu escritório em Vancouver, ele falou à
Folha, por telefone.
(JWC)
FOLHA - Consumo é doença?
KALLE LASN - Sim, consumo é
doença. Foi a onda consumista
que levou o planeta à mudança
climática e, finalmente, agora,
nos levou a esta enorme crise
financeira e econômica que estamos vivendo, a maior de toda
a história da humanidade.
FOLHA - Então, na sua opinião, o
consumidor é o grande culpado pela
crise dos mercados?
LASN - Sem dúvida. O problema é o consumo do grupo formado pelo um bilhão de pessoas mais ricas do planeta que
consomem 86% de tudo o que é
produzido. O que significa que
cinco bilhões ficam, teoricamente, com os 14% restantes da
produção, o que não é justo.
FOLHA - O que os "consumistas" fizeram para isso?
LASN - Eles compraram mais
do que poderiam. Pegaram dinheiro emprestado ou usaram
as economias para comprar casas, carros, ou seja, mergulharam as suas vidas nisso e chafurdaram-se em dívidas nos últimos 20 anos.
FOLHA - Dizendo isso, o senhor desengana o mundo. É o fim?
LASN - Não, a solução é pensar
nossas vidas de forma diferente. Começando por este dia 29,
hoje, aderindo à campanha do
Buy Nothing Day (Dia de Não
Consumir), e deixando o lado
negro do consumismo.
FOLHA - Como mudar o jeito de
pensar de pessoas em lugares tão diferentes como África, Europa, Brasil
e Estados Unidos?
LASN - Consumismo é consumismo em qualquer lugar, porque foi algo surgido após a Segunda Guerra, em países da Europa e nos Estados Unidos. É o
capitalismo que tomou o mundo há mais de 50 anos e vem
destruindo todas as outras culturas. Se você for ao Butão, ao
Tibete ou mesmo ao México vai
notar isso.
FOLHA - Mas Tibete é um exagero.
LASN - Sim, porque você nota
que foi criada uma única cultura consumista que tomou todo
o planeta. É preciso mudar a
maneira como a informação
atinge as pessoas, como o mundo corporativo e as agências de
publicidade emanam informações para as pessoas comuns.
O mercado publicitário é
uma das principais máquinas
geradoras da cultura de consumo, movimentando US$ 1 trilhão por ano. Enviam mensagens de "comprar, comprar,
comprar," afirmam que vamos
ser felizes se comprarmos.
FOLHA - É verdade que quem compra é feliz?
LASN - Crescemos em meio a
essa saraivada de informações
de compra acreditando piamente que quem compra pode
ser feliz. E o mercado publicitário estimula ainda mais essa
coisa absurda de que, se você
compra um produto que se tornou um objeto do desejo, um
item "cool", você pode ser feliz.
FOLHA - Mas hoje, no "Buy Nothing Day", não posso comprar nem
mesmo um ingresso de cinema?
LASN - É um desafio, realmente. Nada. É um momento de
transformação em que precisamos nos botar à prova e não
consumir nada, com o objetivo
de buscar as mudanças fundamentais para termos um planeta melhor para vivermos. É
uma forma de protesto.
Texto Anterior: Outro lado: Você fica 1 dia sem consumir? Próximo Texto: Maria Inês Dolci: Falta combinar com o cidadão Índice
|