Epanhola faz elogio à liberdade feminina em livro sem moralismos
É um alívio ler um romance como "Isso Também Vai Passar", em que uma mulher conta sua própria história sem fazer concessões ao hipócrita bom mocismo atual nem baixar a cabeça para supostas normas machistas ou feministas.
Aos 40 anos, Blanca enterra a mãe em Cadaqués, Espanha, onde costumavam passar as férias. Durante os dias de luto, porque "a única coisa que não dá ressaca e que dissipa momentaneamente a morte é o sexo", transa com um dos dois ex-maridos e com seu amante casado, flerta com mais dois ou três no caminho, bebe de manhã à noite, fuma enormes baseados e, principalmente, deixa evidente que nada disso é rebeldia gratuita ou desvio de caráter.
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"Isso Também Vai Passar" |
Não existe culpa, nem moralismos. É o retrato de uma mulher que foi educada pela própria mãe "tão feroz e eficazmente contra qualquer tipo de submissão não lúdica que eu nem precisei virar feminista". A espanhola Milena Busquets conseguiu neste brevíssimo e imperfeito romance fazer um comovente elogio à liberdade. (ROBERTO TADDEI)
ISSO TAMBÉM VAI PASSAR
QUANTO: R$ 34,90 (144 PÁGS.) E R$ 23,90 (E-BOOK)
AUTOR: MILENA BUSQUETS
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS
TRADUÇÃO: JOANA ANGÉLICA D'AVILA MELO
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DUBLIN AO SUL
Não leia posts de Facebook; leia contos —tão curtos quanto e bem mais nutritivos. O conto é a homenagem que a poesia rende à prosa: por sua contenção, tensão e capacidade de epifania, "um bom conto ganha uma partida por nocaute, enquanto um romance só leva por pontos", dizia Cortázar.
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"Dublin ao Sul" |
Conterrâneo do cronópio, Isidoro Blaisten é outro mestre nascido na pátria de Borges, Rodolfo Walsh e Samanta Schweblin. Feliz e tardiamente —morreu em 2008—, chega ao português a clássica coletânea de relatos fantásticos "Dublin ao Sul". Sua prosa clara, irônica e inventiva flagra personagens decadentes, em busca de um mínimo suspiro metafísico que os arranque de uma vida medíocre: um suicida com hora marcada para morrer, preso à ansiedade de um pensamento super-racional, em "A Pontualidade É a Cortesia dos Reis"; casais casados com o consumo conspícuo, em "A Sede"; um tio que é tido como o lixo da família, em "Tio Facundo"; um homem que tenta comprar algo que o salve em "A Salvação"; e até uma espécie de Gregor Samsa feliz em "Vitorcito, um Homem Oblíquo". (RONALDO BRESSANE)
DUBLIN AO SUL
QUANTO: R$ 35 (206 PÁGS.)
AUTOR: ISIDORO BLAISTEN
EDITORA: A GIRAFA
TRADUÇÃO: MAURO GAMA
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BOTCHAN
Natsume Soseki (1867-1916), o "Machado de Assis" nipônico (foi severamente influenciado por Lawrence Sterne, assim como o pai de Capitu), notabilizado por sua narrativa anti-naturalista e psicológica, vertentes literárias que ele próprio introduziu no Japão, praticou outro gênero ocidental, o "Bildungsroman" ou romance de formação. E não poucas vezes: com "E Depois" e "Sanshiro", publicados pela Estação Liberdade em 2011 e 2014, respectivamente, e também com "Botchan".
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"Botchan" |
O aprendiz existencial do título, ao assumir seu primeiro cargo profissional como professor de província, é obrigado a encarar a maledicência, letal como só é possível em cidades muito pequenas ou ambientes restritos. Desajeitado e mimado pela criada familiar após a morte da mãe, Botchan é menosprezado pelo pai e irmãos, depois é zombado pelos alunos, desentende-se com outros professores e assim compreende do que é feita a vida: o atrito, que o move adiante, a novas paragens. Bom livro, com a graça habitual de Soseki. (JOCA REINERS TERRON)
BOTCHAN
QUANTO: R$ 38 (184 PÁGS.)
AUTOR: NATSUME SOSEKI
EDITORA: ESTAÇÃO LIBERDADE
TRADUÇÃO: JEFFERSON JOSÉ TEIXEIRA
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AS RÃS
Mo Yan, prêmio Nobel de 2012, é usualmente comparado a García Márquez. Pode ser curioso ler o chinês sob a perspectiva do realismo mágico: a leveza da linguagem de "As Rãs" tem pouca proximidade com o visualismo rebuscado do colombiano, acrescida da graça do humor oriental e de certa comicidade involuntária advinda da tradução (em alguns casos, nomes próprios apostos a apelidos dão em engraçados quase cacófatos como "Chen Nariz" ou "Chen Testa").
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"As Rãs" |
De fato, parentesco mais evidente se encontra na força do imaginário popular de crenças e superstições na conformação de ambos. "As Rãs" é narrado pelo escritor em formação Corre Corre, devotado a relatar a vida de sua tia, enfermeira a cargo da educação sexual e de abortos que chega a se tornar responsável pelo controle de natalidade na Revolução Cultural na China. Verdadeiro épico a culminar na peça teatral por fim escrita pelo sobrinho, a estrutura do romance também tem outro inusitado paralelo: o do romance pós-moderno norte-americano dos anos 1970, de John Barth e William Gaddis, com sua impureza de gêneros e formas. (JOCA REINERS TERRON)
AS RÃS
QUANTO: R$ 52,90 (496 PÁGS.)
AUTOR: MO YAN
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS
TRADUÇÃO: AMILTON REIS
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ANA DE AMSTERDAM
Há quem não consiga ter orgasmos e saia às ruas batendo panelas, e há quem transforme sua falta de gozo em arte. Felizmente, este é o caso de Ana Cássia Rebelo. Advogada lisboeta e mãe de três filhos, ao atingir a meia-idade e subitamente perder a capacidade de atingir o clímax —mas não o interesse no sexo, na vida e nos mistérios entre um e outra-, ela desatinou. Sob o pseudônimo de Ana de Amsterdam -a puta musa de Chico Buarque "dos dentes rangendo e dos olhos enxutos"—, Ana devassou num blog toda sua intimidade.
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"Ana de Amsterdam" |
Transformando o blog em livro, houve um ganho sutil em profundidade e colorido, mantendo no entanto o ritmo hipnótico dos posts curtos. Pela não-linearidade serena com que encara sua angústia, foi comparada a um Bernardo Soares de saias. Mas, temperada pelo apelo ao mundo —filhos, marido, carreira, viagens—, sua vida é mais divertida que o melancólico autor do "Livro do Desassossego". (RONALDO BRESSANE)
ANA DE AMSTERDAM
QUANTO: R$ 34,90 (190 PÁGS.)
AUTOR: ANA CÁSSIA REBELO
EDITORA: GLOBO/BIBLIOTECA AZUL
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O POMAR DAS ALMAS PERDIDAS
Mulheres de gerações e condições sociais diversas enfrentam o cotidiano da ditadura militar na Somália e da guerra civil que se espalhou pelo país nos anos 1980. O romance da somali Nadifa Mohamed, nascida em 1981 em Hargeisa e educada na Inglaterra, adota a perspectiva feminina para tratar de um drama histórico recorrente: a perversa degradação do humano pelo poder.
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"O Pomar das Almas Perdidas" |
Nadifa faz um acerto de contas com a história sofrida de pessoas comuns que são conduzidas como marionetes, violentadas e desprezadas tanto pelas elites como por revolucionários, para que sua voz alcance certo sentido no caos. A pequena Deqo sonha com um par de sapatos novos, a jovem soldada Filson busca posição de prestígio e a velha Kawsar, marcada pela morte brutal da filha, faz do desprezo a sua luta particular e inútil contra o sistema opressor.
Ainda que a brutalidade prevaleça, Nadifa arranca nacos de poesia do encontro fortuito das três mulheres, que podem sugerir uma surda e persistente resistência, talvez o germe da revolução possível. (REYNALDO DAMAZIO)
O POMAR DAS ALMAS PERDIDAS
QUANTO: R$ 39,90 (296 PÁGS.) E R$ 27,90 (E-BOOK)
AUTOR: NADIFA MOHAMED
EDITORA: TORDESILHAS
TRADUÇÃO: OTACILIO NUNES
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O DILEMA
Na edição ianque, o romance de John Grisham chama-se "Gray Mountain", referindo-se ao local em que, na trama, importantes documentos foram escondidos. Então, podemos revelar agora mesmo, sem perigo de "spoiler", o dilema anunciado no título da edição brasileira.
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"O Dilema" |
A protagonista terá que se decidir entre dois futuros: num poderoso escritório de advocacia em Manhattan, defendendo clientes endinheirados, ou numa ONG na pequena Brady, na Virgínia, defendendo gente humilde.
A advogada Samantha Kofer é a heroína desse best-seller que denuncia a mineração predatória. Quando o escritório em que trabalha afunda, durante a crise financeira precipitada pela falência do banco Lehman Brothers, Samantha é forçada a aceitar um emprego provisório, não remunerado, no coração dos Apalaches.
Um emprego bastante perigoso, se você é uma advogada decida a enfrentar as gananciosas empresas mineradoras que estão devastando o ecossistema. Mais um delicioso "page-turner" de um mestre dos thrillers jurídicos. (NELSON DE OLIVEIRA)
O DILEMA
QUANTO: R$ 34,50 (416 PÁGS.)
AUTOR: JOHN GRISHAM
EDITORA: ROCCO
TRADUÇÃO: MAIRA PARULA
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CIDADE DOS ÚLTIMOS DIAS
Ben H. Winters fez a dobradinha dos principais galardões da ficção científica e do romance policial com a trilogia "O Último Policial" (da qual este segundo volume dá sequência no Brasil) ao levar os prêmios Philip K. Dick e Edgar.
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"Cidade dos Últimos Dias" |
É boa diversão, com situação inicial que coloca o investigador Hank Palace em papel não muito invejável: ele, que ansiava ser policial desde garoto, é admitido na força pouco antes de anunciarem que o asteroide 2011GV está em rota de colisão com a Terra. Após o choque, não restará donut sobre donut. De hora para outra, instituições não instituem mais, governos não governam e a polícia não policia: o mundo virou baderna.
No meio disso, Palace vaga da pequena Concord a comunas anarquistas e milícias anti-imigrantes à procura do desaparecido Brett Cavattone. O que não chega a ser simples, quando já não restam rastros digitais das pessoas. Para complicar, seu cunhado é acusado de terrorismo, e sua irmã foi sequestrada. Mal dá para esperar a série de TV, não é? (JOCA REINERS TERRON)