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24/07/2012 - 04h21

Mostra aproxima arte de Brasil e Argentina

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SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

Engajamento político, influência do pop, questionamento da sociedade de consumo. São muitos os pontos em comum entre as artes plásticas do Brasil e da Argentina nos anos 1960.

Porém, até agora, ninguém tinha tido a iniciativa de juntar as duas produções numa só mostra, permitindo uma reflexão que atravessasse a fronteira dos dois países.

Com essa proposta, a exposição "Pop, Realismos e Política", com curadoria do brasileiro Paulo Herkenhoff e do argentino Rodrigo Alonso, teve início na semana passada na Fundação Proa, em Buenos Aires.

A mostra será exibida no Brasil no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, durante o segundo semestre.

Em entrevista à Folha, Herkenhoff, 63, disse que, apesar de serem expostos de maneira mais direta às novas ideias da pop arte, da nova figuração e do realismo francês, os artistas do Brasil e da Argentina também foram herdeiros de uma tradição própria, como o neoconcretismo, no caso carioca.

Dar ênfase a esse aspecto pluralista foi uma das preocupações da curadoria do evento.

Divulgação
"Introdução à Esperança", de Luis Felipe Noé
"Introdução à Esperança", de Luis Felipe Noé

ARTE DE PARALELOS

Entre os pontos de contato das duas produções, ele aponta o fascínio pelas estéticas do hemisfério norte, além de um forte compromisso entre arte e ética diante da violência do terrorismo de Estado, presentes nos dois países. Na Argentina, a partir de 1976. No Brasil, 11 anos antes.

"Há uma consciência de uma história da arte local que rompe com o provincianismo. Trata-se de um cosmopolitismo invertido", explica.

Entre os paralelos que a mostra expõe, Herkenhoff chama a atenção para a influência da psicanálise para artistas argentinos e para a relação entre arte e loucura no Brasil, temas abordados no mesmo período.

O ex-curador do MAM-Rio e ex-diretor artístico da Bienal de São Paulo também percebe um vínculo entre o pensamento crítico da trinca formada pelo argentino Jorge Romero Brest (1905-1989) e pelos brasileiros Mário Pedrosa (1900-1981) e Ferreira Gullar.

Na primeira sala da exposição, há obras de artistas brasileiros e argentinos que tem Che Guevara como tema. Uma delas de Claudio Tozzi, a outra de Roberto Jacoby.

As duas imagens do guerrilheiro Che Guevara --que nasceu na Argentina, vale lembrar-- problematizam a figura modelar da luta pelas utopias sociais no contexto da pop arte. O "Che" concebido por Tozzi é uma figura heroica, com o olhar que aponta para o horizonte.

O cartaz de Jacoby, com os dizeres "um guerrilheiro não morre para ser pendurado numa parede", cobra uma posição brechtiana dos artistas sobre a consequência de seus atos."

Leia a entrevista com Herkenhoff abaixo:

*

Folha - Quais os principais pontos de contato das artes plásticas do Brasil e da Argentina nos anos 1960?
Paulo Herkenhoff - Na década de 1960, artistas argentinos e brasileiros, ainda que expostos de maneira mais direta às novas ideias da pop art, da nova figuração e do novo realismo francês, também eram herdeiros de uma história recente em seus países, como o neoconcretismo no caso carioca.

O projeto construtivo na América Latina, muitas vezes reduzido à ideia de abstração geométrica, era também o imaginário vinculado à modernização da sociedade e à reivindicação de mudança.

No entanto, a Argentina não superou o peronismo, já o Brasil conseguiu desvencilhar-se do varguismo. No plano crítico, a trinca Jorge Romero Brest, Mário Pedrosa e Ferreira Gullar liderou uma efetiva ruptura do discurso sobre a arte.

Quais os pontos de contato entre as duas produções que podem ser vistos na mostra?
O principal é um compromisso entre arte e ética diante da violência do terrorismo de Estado, um agenciamento da arte para as transformações do modo de ver a sociedade, já não mais marcada pela visão romântica e autoritária de que a arte mudaria a sociedade da arte engajada do partido comunista.

Além do fascínio pelas estéticas do hemisfério Norte, há uma consciência de uma história da arte local que rompe com o provincianismo. Trata-se de um cosmopolitismo invertido.

A psicanálise na Argentina e a relação entre arte e loucura no Brasil são duas perspectivas complementares, que no Brasil se refina com Lygia Clark.

Nos dois países, uma arte dos sistemas de comunicação de massas tem que responder à censura e, no Brasil, ao analfabetismo; uma arte da sociedade de consumo convive com a miséria absoluta, a fome, o consumo marginal e a informalidade.

Você diz que os artistas argentinos da época tinham mais carga teórica que os brasileiros. Por quê?
Alguns argentinos, como Luis Felipe Noé, eram mais velhos, com uma formação universitária que não se resumia às escolas de arte e uma passagem pela Europa.

A antiestética de Noé continua sendo um documento instigante. No Brasil, alguns dos marcos teóricos mais complexos da década de 1960, com Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e Waldemar Cordeiro, correspondem a projetos iniciados na década anterior e que sofrem radicais transformações teóricas e estéticas com os impasses da abstração diante de uma sociedade em crise profunda.

A obra de Antonio Dias, como no exemplo de "Um Pouco de Prata para Você", apresenta, no entanto, um programa estético complexo montado através da própria empiria do trabalho que denotava uma profunda consciência crítica. No campo das práticas, penso sempre em Geraldo de Barros como um modelo de versatilidade e polissemia.

Por que abrir a mostra com a palavra "Lute", na obra de Rubens Gerchman, e as imagens de Che Guevara?
A palavra-obra "Lute", de Gerchman, é uma espécie de palavra de ordem ao espectador no imperativo. Relaciona-se à poesia neoconcreta, aos movimentos de resistência à ditadura, mas também são um convocação do espectador à reflexão: "Lute pela projeção de significado", "lute por uma arte crítica que conduza o imaginário e o simbólico a modos de emancipatórios do olhar".

As duas imagens do Che Guevara problematizam a figura modelar de luta pelas utopias sociais no contexto da pop arte. O Che do brasileiro Claudio Tozzi é uma figura heroica, com o olhar que aponta para o horizonte. O cartaz de Roberto Jacoby com os dizeres "um guerrilheiro não morre para ser pendurado numa parede" cobra uma posição brechtiana dos artistas sobre a consequência de seus atos.

Por que a exposição de Antonio Berni no Brasil, naquela época, foi tão influente?
Berni foi um artista que atravessou o século 20 argentino, um modernista que elabora uma nova estética de assemblages na década de 1960. Seu personagem Juanito Laguna, o menino dos arrabaldes da cidade, à margem do consumo, é um modelo dos impasses do Terceiro Mundo na cultura e da conversão do limite em potência. Berni foi afiliado ao partido comunista argentino, mas na maturidade. Na mesma época, a adesão de Ferreira Gullar ao partido traz movimentos e resultados colidentes.

Já as duas mostras da Nova Figuração argentina no Rio, em 1964 e 1965, oxigenaram o diálogo com a nova geração de Antonio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Zílio ou Anna Maria Maiolino.

 

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