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14/10/2012 - 03h20

Filho de Tarkóvski diz que polaroides são "dolorosas"

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RODRIGO SALEM
DE SÃO PAULO

O pequeno Andrei costumava ter longas caminhadas com o pai pelas florestas da região de Myasnoye, a 80 quilômetros de Moscou. Subiam o rio Kashirka, sempre parando para olhar a bela paisagem e conversar.

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Naquele momento, o sobrenome do pai, Tarkóvski, não fazia diferença para o filho. Andrei Tarkóvski, naquele momento, não era o cineasta famoso. Era apenas o pai de "Andrei Jr.".

Seu lado diretor só se revelava ao filho quando apontava a polaroide para alguma cena que o agradava, seja o pequeno Andrei brincando com o pastor alemão da família, Dak, seja Larissa, a matriarca da família, segunda esposa de Tarkóvski, em algum afazer doméstico.

"Ele tentava passar a maior parte do tempo comigo, mas precisava trabalhar em seus filmes", recorda-se o filho, agora com 42 anos e responsável por cuidar do legado do pai, morto em 1986, vítima de um câncer de pulmão.

Entre esse legado, há cerca de 300 fotografias polaroides tiradas entre 1979 e 1984, capturando a intimidade de Tarkóvski com o filho na casa de campo durante seus últimos meses na então União Soviética e o início do exílio na Itália, onde filmaria"Nostalgia" (1983).

Parte delas estará em exposição no Masp a partir da próxima quarta-feira.

Reprodução
O cineasta russo Andrei Tarkóvski
O cineasta russo Andrei Tarkóvski

"Essa exposição no Brasil é importante, porque não sabemos por quanto tempo essas fotos aguentarão o passar do tempo. Em alguns anos, elas podem não existir mais."

As polaroides, contudo, possuem um significado especial para o menino que ficou em Moscou com a avó, pois só os pais tinha permissão do governo para viajar.

"Essas imagens são tristes e dolorosas. São os últimos momentos entre pai e filho", conta Tarkóvski. "Meu pai previu o próprio destino."

Não era bem previsão. Tarkóvski era um homem inteligente. Sabia que não duraria muito tempo sob a Cortina de Ferro comunista.

Seus filmes eram censurados, cortados ou simplesmente não eram exibidos em sua terra natal. O financiamento do Goskino, o comitê estatal de cinema, minguava.

"Mas meu pai nunca fez nenhum projeto que comprometesse sua visão. Ele não buscava fama ou dinheiro. Seus filmes eram buscas espirituais", exalta Andrei.

ENCONTRO NA MORTE

Fora das fronteiras soviéticas, o reconhecimento era vasto. "A Infância de Ivan" ganhou o Leão de Ouro em Veneza, em 1962. Depois, Tarkóvski venceu prêmio da crítica e do júri em Cannes por "Solaris" (1972), "Nostalgia" e "O Sacrifício" (1986).

O êxito profissional não aplacava a dor de estar longe do filho. "Nos quatro anos longe, ele me ligava todos os dias", recorda-se Andrei, que só recebeu permissão para ver o pai no leito de morte, em Paris, em janeiro de 1986.

"Ninguém me contou, porque eu estava viajando. Não sabia da doença do meu pai", diz o filho. "Um dia antes de encontrá-lo, me falaram que ele estava com câncer de pulmão. Foi terrível."

Os dois ficaram separados por quatro anos e só tiveram meses para recuperar o tempo perdido. O cineasta russo morreu em dezembro de 1986.

"Claro que isso ainda me dá raiva. Mas não da Rússia, e sim do sistema", afirma ele. "Isso acabou com qualquer ilusão minha em relação aos políticos."

Dirigindo o Instituto Internacional Andrei Tarkóvski, em Florença, cidade que recebeu seu pai assim que deixou Moscou, Andrei teve a oportunidade de crescer nos sets de "O Espelho" (1975) e "Stalker" (1979).

"O que mais me impressionava era a concentração de todos", lembra. "Meu pai ia para as filmagens querendo criar uma obra-prima, mesmo que não falasse tal coisa. E isso contaminava todos os atores e membros da equipe."

Andar ao lado de Georgi Rerberg, um dos grandes nomes da direção de fotografia, e do próprio pai, deixou Andrei exigente.

"O tempo do cinema moderno não é o tempo dos homens. É uma grande distração das verdadeiras questões que temos sobre fé e sobre nossas vidas", filosofa.

Andrei Tarkóvski não poupa nem mesmo o remake de "Solaris", dirigido por Steven Soderbergh em 2002.

"É muito chato e longo. Por que fazer algo que você não entende?", questiona ele. "Por isso que foi um fracasso."

"Eu preferia ver um remake de 'Solaris', mas baseado diretamente no livro. Acho que faria sucesso nos Estados Unidos."

Editoria de Arte/Editoria de Arte/Folhapress
PERSEGUINDO TARKÓVSKI
PERSEGUINDO TARKÓVSKI
 

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