Cota para negros mobiliza a São Paulo Fashion Week
Habitualmente afastada dos problemas sociais, a moda brasileira --quem diria-- se tornou nos últimos dias o palco de uma batalha contra a discriminação dos negros no país. As cenas principais dessa disputa deverão ser travadas na SPFW (São Paulo Fashion Week), cujos desfiles da temporada verão 2009/10 começam nesta quarta-feira (17).
Conforme um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado há menos de um mês entre o Ministério Público e a organização do evento, 10% dos modelos de cada desfile devem ser negros, afrodescendentes ou indígenas.
O inquérito se baseou em reportagens da Folha feitas em janeiro de 2008. Dos 344 modelos que desfilaram naquela temporada, apenas oito (2,3% do total) eram negros, conforme contagem feita pelo jornal.
Quem vai colocar mais lenha na fogueira é a associação franciscana Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), que está organizando um desfile-manifesto no parque Ibirapuera, onde a semana de moda é realizada.
A manifestação prevê uma passarela só com modelos negros, embaixo da marquise do parque, ao lado do MAM (Museu de Arte Moderna).
A associação também quer fiscalizar o cumprimento da "cota". Pediu dois convites por desfile à SPFW, para poder contar o número de negros --o que nem mesmo a Promotoria planejou fazer.
Luciana Whitaker/Folha Imagem | ||
As modelos Gracie Carvalho e Ana Bela, que desfilam na SPFW, em foto feita durante o último Fashion Rio |
Relatório final
A organização da SPFW poderá receber multa de R$ 250 mil apenas se não forem cumpridas as cláusulas do termo assinado com o Ministério Público que determinam que a SPFW deve sugerir às grifes "a manutenção de um mínimo necessário de 10% de modelos entre negros, ou afrodescendentes, ou indígenas". Até 30 dias após o fim da temporada, o evento terá de elaborar uma relação completa dos modelos que desfilaram, apontando o nome dos "que se inserem no critério", como diz o TAC.
É possível justificar o descumprimento: o Ministério Público aceita, por exemplo, que a alguns temas de desfiles não cabe a participação de negros.
A diretora de casting Roberta Marzolla, responsável pela seleção de modelos de Alexandre Herchcovitch, André Lima, Ronaldo Fraga e Wilson Ranieri, acredita que a medida será respeitada. "Acho que as marcas vão cumprir a cota", afirma.
Segundo Marzolla, quatro negras participarão do desfile de Herchcovitch, que tem um casting com 30 modelos. Para o desfile de Ronaldo Fraga, cinco negros e uma indígena passaram pelo teste, que prevê um time de quase 40 modelos.
Os desfiles da SPFW já revelaram belas modelos negras, como Gracie Carvalho e Ana Bela. Agora, é possível que a "cota" mostre ao público mais algumas new faces, como a baiana Indira Carvalho (da agência 40 Graus), a paraibana Ismênia (da EG Models) e a paulista Jaine (da Way Model).
Mundinho da Oscar Freire
Marzolla diz que percebeu uma "movimentação" nas agências. "Elas traziam poucas negras e agora estão apresentando mais possibilidades de testes", constata.
Duas das principais agências de modelos do país, a Ford e a Way, dizem, porém, que não se preocuparam em aumentar o número de negros em seus castings depois do acordo da SPFW com o Ministério Público. "Já temos negros. Sempre tivemos", diz o diretor da Ford Models, Marco Aurélio Rey.
"Estamos sempre em busca de mais modelos, independentemente da raça. Não fomos atrás de mais negros", afirma o diretor da Way Model, Anderson Baumgartner. Para ele, as negras são pouco numerosas em desfiles porque não têm o biotipo desejado pelos estilistas. "Elas são mais gostosonas; muitas têm um bumbum um pouco maior", justifica.
O estilista e empresário Alberto Hiar, da Cavalera, tem outra explicação para o baixo índice de negros na SPFW. "Os afrodescendentes não estão nos restaurantes e nos lugares onde os olheiros estão. Você vê uma quantidade muito pequena deles na Oscar Freire", diz.
Para a estilista Clô Orozco, é antiga a "despreocupação" das agências em apresentar modelos negros. "Eu dependo do que eles [os agentes] me trazem", diz. "Acho que deveriam ir para lugares diferentes, por exemplo, a colégios da periferia."
"O problema é que o mundinho da moda está restrito à Oscar Freire", desfere Hélder Dias Araújo, dono da HDA Models, agência só de negros, que até agora não conseguiu emplacar nenhum de seus modelos nesta edição do evento.
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