Jovens do Rio fazem filme inspirado em "Cinco Vezes Favela"
Cacá Diegues está sentado num beco do morro do Vidigal, na zona sul do Rio. O cineasta não pode apontar a câmera para muito longe dali. No fim do beco onde está o set de "Cinco Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos", garotos armados com fuzis olham a filmagem, mas não podem aparecer.
É parte do acordo verbal da equipe do filme com o "movimento" (lideranças do tráfico) para levar adiante o projeto do longa: cinco episódios de 20 minutos dirigidos por moradores de cinco favelas do Rio (Vidigal, Maré, Cidade de Deus, Parada de Lucas e comunidades da linha Amarela).
Pedro Carrilho/Folha Imagem | ||
Filmagens de "Cinco vezes Favela, Agora por Nós Mesmos", no Vidigal, no Rio |
A ideia é antiga. Em 1961, Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges fizeram "Cinco Vezes Favela", única incursão cinematográfica concluída do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes).
O longa da década de 60 tem cenas de perseguição a moradores da favela, um ambiente que mais lembra a área rural, o medo e a violência da diferença de classes --bem distante dos fuzis que hoje cercam um dos sets do novo filme.
Infância refletida
Lá, no morro do Vidigal, a diretora Luciana Bezerra, moradora da favela, filma para o episódio "Acende a Luz" uma cena que viu na infância: moradores gritam com um funcionário da companhia de energia para que haja luz na véspera do Natal.
"Eu sou cria desse beco", diz Luciana. Ao lado dela e da grua gigante que aponta a câmera para o alto do poste, um "fogueteiro" observa tudo --o garoto olha a entrada do morro para avisar aos líderes do tráfico sobre a chegada de policiais.
Já no filme de 1961, o episódio "Couro de Gato", de Joaquim Pedro de Andrade, mostra uma criança que rouba gatos e vende a quem usa seu couro em tamborins, enquanto Diegues retrata um casal em que o marido é da escola de samba, e a mulher, sindicalista.
"Cinco Vezes Favela" é considerado um dos fundadores do cinema novo, e Diegues diz que quer repetir o feito agora. Para ele, a versão "por nós mesmos", pode contribuir "para a evolução do cinema brasileiro, no sentido de ter novos modos de fazer, novos temas, novas formas de ver o cinema".
"Filmes de favela"
O que era novo em 1961, no entanto, talvez não seja mais. Na época, o único filme a mostrar a favela era "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos. Agora, há até rótulo para títulos que retratam o morro, os "filmes de favela", figuras fáceis no cinema nacional desde "Cidade de Deus" (2002).
Mas o novo "Cinco Vezes", para Diegues, "não pode ser tomado como uma contestação do que já foi feito sobre favela". "É a afirmação de uma nova visão." Com orçamento de R$ 4 milhões, se o projeto vingar, diz ele, "a favela será porta-voz de si mesma pela primeira vez".
O filme, que entra nas últimas semanas de filmagem no Rio, começou em 2007 com oficinas de roteiro nas favelas, com mais de 200 moradores. Eles votaram os argumentos e criaram os roteiros.
Apoio de ONGs
Houve, é claro, o apoio de ONGs que já fazem trabalhos nas favelas, como o Nós do Morro e o AfroReggae, para escolher alunos e "dialogar" com o tráfico a fim de ter autorização para as filmagens.
Se em 1961 a escola de samba e o conflito de classes surgiam de forma predominante, os roteiros atuais expõem a luta entre os morros e suas facções, o tráfico e a falta de dinheiro (leia as sinopses ao lado).
O papel de Diegues --cineasta de "Bye Bye Brasil" (1980), "Orfeu" (1998) e "Deus É Brasileiro" (2003), entre outros-- é "coordenar e emprestar nome" ao projeto para entrar no mercado. Para ele, o cinema feito pela favela já existe "de forma talentosa", mas "os filmes ficam entre eles".
Com coprodução da Riofilme e da Globofilmes, produtora que banca sucessos como "Se Eu Fosse Você", de Daniel Filho, o objetivo é trazer "uma forma de cultura que estava na margem para o centro".
"É uma invasão do sistema, e o que eu chamo de sistema é uma espécie de trem da economia que leva esses filmes para o maior número possível de plataformas: na televisão, no cinema, em DVD e tudo o que tiver", completa Diegues.
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