Dexter, atração da Virada Cultural, fala sobre rap e prisão
Marcos Fernandes de Omena, 38, mais conhecido como o rapper Dexter, fará na manhã de domingo (6), às 10h, o seu primeiro grande show após 13 anos de prisão, encerrados em abril de 2011. "Prisão, não, exílio", corrige ele.
Em bom momento, rap tem poucos representantes na Virada Cultural
Atração da Virada Cultural, o paulistano criado na periferia de São Bernardo (SP) começou a rimar nos anos 1990, inspirado pela poesia nua e crua dos Racionais MCs.
Criou o grupo Snake Boys, em 1990, e gravou três anos depois sua primeira música, "Animais Irracionais". Em 1994, o grupo trocou o nome para "Tribunal Popular". Quatro anos depois, ainda sem um disco lançado, Dexter foi preso.
No Carandiru, onde cumpriu a sentença, fez quatro discos: "Provérbios 13" (2000) e "MMII DC (2002 Depois de Cristo)" com o 509-E, grupo que ajudou a fundar, e os solo "Exilado Sim, Preso Não" (2005) e "Dexter & Convidados" (2009), este gravado ao vivo na quadra da escola de samba Unidos da Peruche, em São Paulo.
Também fundou o projeto "Como Vai Seu Mundo?", desenvolvido em parceria com o Juiz Corregedor da Vara de Execuções Criminais de Guarulhos, Dr. Jaime Garcia Junior, e com o Instituto Crescer, com o objetivo de "levar dignidade e cidadania para os reeducandos dentro das penitenciárias".
Atualmente, prepara o próximo disco, o primeiro em liberdade. Ainda sem data de lançamento, o álbum já tem nome, "Flor de Lótus". "Flor de Lótus é uma flor que só germina no lodo. E eu acho que a prisão é um lodo e eu consegui ser uma flor de lótus, como vários caras lá dentro", explica Dexter.
Além da homenagem a todas as flores de lótus do Brasil, o disco vai mostrar a nova realidade do rapper. "A realidade agora é outra, vou falar do que vejo aqui fora, na luz do dia. Vou falar de liberdade."
Em entrevista à Folha, Dexter olha para trás e revê a adolescência, o primeiro encontro com o hip-hop, os anos de renascimento na prisão e a cena atual do rap.
Apu Gomes - 14.dez.2011/Folhapress | ||
O rapper Dexter durante lançamento de seu DVD, em São Paulo |
*
DE ONDE EU VIM
Eu nasci na Maternidade Saúde, no centro de São Paulo. Mas fui criado num bairro pobre do ABCD, Jardim Calux, em São Bernardo do Campo. Periferia também, favela. Fui criado pela dona Marina Maria de Omena, uma nordestina arretada, que me pegou aos 13 dias ou um mês de vida e me criou muito bem. Varreu rua 17 anos para me criar. Conheci as mazelas do sistema desde criança, seus venenos e sua maneira, como vou dizer, sutil de preparar ciladas para quem morava lá. Cresci com isso, fiz até a quinta série.
Minha adolescência foi prematura. Com oito, nove anos eu comecei a ser servente de pedreiro, para ajudar minha mãe. Nessa época minha mãe era viúva, e começou a namorar um cara aí, que tirou a gente de São Paulo e levou para o interior, Campinas. Ele não me aceitava muito. Algumas vezes ele deixava escapar que na família dele não tinha preto. Ele, se fazendo valer do fato de minha mãe não ser minha mãe biológica, quis convencê-la a me colocar num internato para eles viverem a vida deles. Minha mãe não aceitou e se separou dele. A gente foi morar numa casinha e foi por isso que eu tive que começar a trabalhar.
Ser adulto também foi prematuro. Aos 15 anos eu não me lembro de muita coisa. Eu fui morar com a minha irmã, a Rainilda, em Itapeva, Minas Gerais. Quando eu tinha uns 13, 14 anos, eu sentia que minha mãe queria me segurar muito. Ela queria que eu estudasse, que eu virasse um operário padrão, honesto, pronto e acabou. Esse era o sonho dela. Eu até relato isso em uma música. Mas não deu, [rimando] "a situação não me deixou, não conformei e hoje aqui estou".
Morei dois anos lá. E depois meu cunhado voltou pra lá e eu já não me dava muito bem com ele. Fui morar com um parceiro em Jundiaí, aí já comecei a me soltar mais.
Com 17 anos eu conheci meu pai biológico e fui morar com ele. No dia que eu o conheci, ele me convidou para ir até a casa dele, e aí conheci meus irmãos. Na verdade mais duas irmãs e dois irmãos. Ele morava em Diadema. E aí, conversando com meus irmãos eu percebi uma identificação muito grande entre nós a respeito do quê? Da música. Meus irmãos também gostavam de baile, tinham vários discos e aí a gente começou a trocar ideia de música. E eu senti vontade de morar com eles justamente por essa ligação.
Morando com meus irmãos eu passei a ir muito em baile. Eu me sentia muito bem no meio da rapaziada, o jeito dos caras se vestir, usar o cabelo enroladinho e tal, os agasalhos da Puma. Eu gostava do estilo dos caras e eu também queria. Mas minha mãe não tinha muita condição para comprar as coisas. Esse querer de liberdade se consumou quando eu encontrei meu pai. Meu pai nunca me deu nada até os 17 anos, nunca ia dar mesmo, nem bronca. Ancorei meu barco ali, durante mais de dois anos.
*
PÂNICO NA ZONA SUL
Eu já conhecia o rap, eu ouvia muito Irmãos Metralhas, já tinha visto os caras na Xuxa, na época que eu morava em Campinas, em 1984. Eu já me identificava com a forma como eles cantavam e em cima do que eles cantavam, que era batida de rap. Eu via a rapaziada indo para as festas, de cabelão black, um mocassim, umas roupas invocadas. Eu gostava daquilo, as minas de trança. Eu já me identificava com a minha cultura sem saber que era minha cultura. [Gostar do] som acredito que é hereditário. Está no sangue.
Eu já me identificava com o soul e o funk, e o rap eu comecei a ouvir mais nos anos 90, com a coletânea que a Zimbabwe tinha lançado em 1989, a "Consciência Black - Volume 1", em que estava os Racionais e vários outros grupos. Era um domingo, eu tinha acabado de tomar banho, estava calçando meu tênis. Lembro até hoje. Sentado na minha cama e ouvindo o Som da Massa, da Zimbabwe, daí o William, que apresentava o programa, falou que ia tocar uma música de um grupo novo chamado Racionais. E a música era "Pânico na Zona Sul".
Eu posso dizer para você que naquele momento eu acordei para a vida. O [Mano] Brown relatava uma situação vivida em todas as periferias de São Paulo. Em Diadema, naquela época, não era diferente. Existia a ação da polícia, dos pés de pato também. E a gente vivia intensamente tudo o que o Brown estava cantando. Na pele. Eu vi vários amigos sendo assassinados. Eu quase fui assassinado.
Quando eu ouvi essa música eu falei "é isso aí o que eu quero fazer". Se isso é rap, é rap que eu quero fazer. E aí eu não sei, já senti vontade de sair escrevendo. Acho que até no outro dia já saí escrevendo uma letra. E nesse dia quando eu ouvi essa música [Pânico na Zona Sul] eu prometi para mim mesmo que ia conhecer o autor.
Naquele mesmo dia eu fui para o baile, da Chic Show, na quebrada. O Eazy Nylon estava tocando, quando foi umas 21h foi anunciado o show dos Racionais. Aí eu vi quatro pretos vestidos de preto entrando no palco. Rolou uma identificação imediata. Fiquei extasiado ouvindo os caras tocar. Foi emocionante.
Eu fiquei indignado, a princípio, com a maneira que eles retratavam os assuntos. O racismo, a miséria, a pobreza, a favela, o asfalto. Aquilo me encantou. Foi quando eu descobri que, se eles tinham voz, se eles representavam quem não tinha voz, eu queria ser um deles.
Nas semanas seguintes, fui em outro baile, e teve show dos Racionais também. Foi nesse dia que eu consegui falar com o Brown. Quando eu cheguei até ele, ele já estava cansado. Eu dei um papelzinho, que eu tenho até hoje guardado em casa, que é o flyer da festa. Ele autografou. E aí a gente começou a trocar uma ideia, eu vi que a minha história era parecida com a dele, e a dele, muito parecida com a minha. Ali a gente já meio que criou uma amizade, sem saber que duraria esses 22 anos. Depois o Brown, por causa do sucesso, deu uma sumida e tal. Devo ter ido em uns dois três shows depois mas não consegui chegar até ele.
*
POSSE CONCEITO DE RUA
Aí eu já estava começando a cantar rap, a molecada da quebrada também. A gente começou a fazer um movimento ali em Diadema também, as posses foram chegando, o movimento foi crescendo dentro da nossa comunidade, passamos a ser conhecidos no bairro. Quando foi em 92, dois anos depois, eu reencontrei o Brown. Eu estava fazendo parte de uma posse, a posse Conceito de Rua, criada no Capão Redondo, para auxiliar os jovens na comunidade, não só com entretenimento, mas com palestras, que fizeram essa rapaziada crescer e hoje está aí ocupando lugares importantes da nossa sociedade. A Conceito de Rua foi uma escola. E era algo que acontecia dentro de uma escola, literalmente.
O Brown colava lá. Lá era a quebrada dele. Eu fui numa palestra, no Teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro, e eu conheci três pessoas: o Negreta, que hoje é do Rosana Bronk's, o Dinho, que acompanhou o Racionais por muitos anos, e o Renato, que hoje é também pai de família, cola no rap mais de ouvinte. Conheci essas três figuras maravilhosas na palestra, e eles me disseram que eram amigos do Brown. Não desgrudei mais dos caras. Aí eles começaram a contar umas histórias, de que o Brown colava lá no Capão e toda aquela história. Eu gostei dos caras. Foi muito louco. Eu gostava de ver a cultura hip-hop crescer, mas eu sentia falta de algumas coisas. Eu já tinha visto o grupo mais impactante da cena que era o Racionais. O que eu via em Diadema e São Bernardo era pouco perto do que eu tinha visto no palco aquele dia. Eu queria mais. Então eu saía de lá de Diadema às 5h da manhã para chegar às 8h na Conceito de Rua para poder participar e foi através do Negreta, do Dinho e do Renato que eu cheguei até a Conceito de Rua. Acordava o Negreta às 8h e pouco da manhã. Ele sempre me recebeu muito bem, ele e a família dele. Quando eu vou cantar no Capão, eu faço questão de, no meio do show, dizer que o Capão é [emocionado]... uma grande família também.
Um mês depois de entrar na Conceito, um belo dia chegou um cara lá de Fiat 147, boné de couro, magrinho. Desceu do carro e eu vi que era o Brown. Ali, de fato, começou nossa amizade mesmo.
*
A CENA HOJE
São histórias muito boas de se lembrar, porque eu não vejo isso mais hoje em dia no hip-hop. E eu sinto falta disso. Dessa irmandade, dessa família toda. Eu e o Brown, eu e o GOG temos essa irmandade, mas eu não vejo essa molecada que está começando [ter essa relação].
O tempo passa, a modernidade vem, hoje é computador, o mundo globalizado, é uma situação totalmente diferente, mas eu não sei, talvez a tendência seja não ser tão duradoura a carreira deles mesmo. Acho que falta amor na parada. Não deles. Digo, no geral. É diferente. Mas está todo mundo muito disperso, um aqui, outro lá. Eu prefiro o modo antigo de fazer hip-hop. É uma corrente, se eu falho eu prejudico o parceiro do lado, o próximo gomo da corrente que vai entrar na engrenagem. Eu penso muito nisso e acho que muitas pessoas dentro do hip-hop não pensam mais nisso. Olham mais para o seu próprio umbigo. Querem mais ganhar dinheiro, o que é legítimo também. Não estou dizendo que não tenha que ganhar dinheiro, é nossa profissão, é o que a gente sabe fazer. É uma forma de sustentar nossos familiares e até o próprio movimento. Eu acho que se anda colocando muito o dinheiro em primeiro lugar, e antigamente não era assim. E acredito que a gente tenha essa essência até hoje.
Claro que hoje o dinheiro para nós vem com mais facilidade. Nos tornamos pessoas notórias dentro do hip-hop, com as músicas, com as palestras, com os bate-papos nas esquinas, que é o mais importante para a gente. Acho que o sucesso vem exatamente disso. Não é porque eu apareço na Rede Globo ou deixo de aparecer. Quando eu apareço na Rede Globo, como já aconteceu, é falado bem pouco do Dexter, é falado bem pouco do hip-hop. É só uma pincelada. Nas ruas a gente tem tempo de falar. Todo esse caminho longo que a gente trilhou com sucesso foi porque a gente enraizou a nossa música nas ruas primeiro.
*
NOVA GERAÇÃO
Conheço o Emicida, o Criolo Doido, que não é mais doido, o Rashid e o Projota. Eu respeito muito, acho eles muito talentosos. Falam as coisas do jeito deles, mas falam. Convidei o Emicida para uma festividade em Guaianazes, também participei de um show dele em Brasília. Eu acho que essa convivência serve para o amadurecimento de ambos, eu também preciso aprender a conviver com essa nova geração do rap. Hoje o mundo é outro. É um mundo globalizado, eles querem outras coisas. Mas o público para o qual a gente canta é exigente. Qualquer passo diferente e você é cobrado. Mas o rap é também a música da liberdade, ninguém tem que viver de cobrança das outras pessoas. Por exemplo, tivemos o Catra, que canta funk, como convidado no Black Bom Bom. Eu recebi vários e-mails dizendo "pô, vai legitimar o funk?" e tal. Eu não estou legitimando nada. A minha música é a música da liberdade.
*
RESISTÊNCIA
Alguns [parceiros das antigas] pararam, não conseguiram se sustentar com o rap. Continuam trabalhando dentro do hip-hop, mas em outras repartições. Temos o Márcio Santos, por exemplo, que é representante do hip-hop na secretaria de Cultura. Tem o Rappin' Hood dentro da 105 FM, e é claro que ele ainda faz sucesso com a música. Temos o [MV] Bill fazendo campanhas sobre educação, faz propaganda para a Nextel, é escritor, passou pela Rede Globo, na "Malhação". Algumas pessoas não [veem isso com bons olhos], porque elas acreditam que a revolução não será televisionada. Eles seguem à risca o que o Gil Scott Heron falou. Nós não estamos acostumados a ver ou aceitar com facilidade os nossos irmãos revolucionários em canais de televisão, porque a gente falou contra. Eles [os canais] eram a favor do sistema, e a gente sempre foi antissistema.
Então não é natural você ver o Bill na "Malhação", até mesmo porque ele cantou contra as novelas, contra essa educação que as novelas colocam dentro das periferias. Eu costumo dizer que a televisão é uma das doutrinadoras que nós temos. Então os caras fiéis do rap não estão acostumados e vem uma cobrança, o que é natural também. Acho que o Bill entende como uma coisa natural. Mas hoje, passado um tempo, estão começando a entender que talvez a coisa naturalmente dê uma mudada.
Tudo, com o tempo, fica de fácil aceitação. Eles [o sistema] entenderam que o hip-hop não é uma coisa só de marginal, é de marginal também porque vivemos à margem da sociedade. Não aquele marginal que está de fuzil na mão. Aquele marginal que a sociedade criou e rotulou que vive à margem de tudo de bom que eles têm no nosso país. Eles entenderam que a nossa música também é boa, que o Racionais vendeu 500 mil cópias, que o Dexter passou 13 anos exilado mas colocou quatro discos na rua. A nossa cultura transforma, salva, te dá condições financeiras de se manter. O hip-hop no Brasil e no mundo é uma empresa.
Até por conta da nossa resistência eles passaram a entender e respeitar, talvez não aceitar. Mas é claro que sempre estão querendo acabar com nossa cultura, por debaixo do tapete estão sempre tramando alguma coisa. Mas nós já temos hoje pessoas do nosso governo que são nossos aliados. Era uma coisa que não se tinha antes, porque o rap colocava o dedo na ferida mesmo. Mas eles também por serem de esquerda passaram a compreender o rap. Hoje temos até mesmo o senhor Eduardo Suplicy, nosso senador, citando Racionais MCs por aí.
Aí, a parte do nosso público, o outro lado da moeda. É difícil para eles aceitarem, por exemplo, o Bill na "Malhação". Porque eles entendem que o hip-hop é a resistência, é a periferia, a voz deles. E se eles não estão sendo representados em canal de TV, é natural que eles não queiram que o Bill esteja lá. Eles não entendem a Malhação como uma novela que representa o povo da periferia. Então supostamente não teria nada a ver o Bill lá. É o pensamento deles.
E aí você pensa no Bill como artista. Eu respeito. E ele serve como exemplo, porque nem todo preto e pobre da favela quer ser cantor de rap. Deve ter o cara, a mina lá que quer ser artista. E o Bill pode ser uma inspiração. "Pô, se ele chegou até lá, eu também posso chegar."
Eu fiz "A Liga" com um pé meio atrás. Fiz uma reunião com os caras, expliquei o projeto que eu tenho. Eu nunca fui avesso à televisão. Eu sempre achei que em alguns programas a gente pode ir. Tem muitos profissionais que nos tratariam com respeito.
O rap está caminhando, estamos amadurecendo.
*
O RAP ME SALVOU
O rap me salvou em todos os sentidos que você possa imaginar. Hoje eu tenho meu carro, consigo pagar meu aluguel. Eu saí [da prisão], mas me encontro na condicional. Só posso viajar, sair do Estado com autorização do juiz, dizendo que estou indo trabalhar. Na verdade eu ainda devo 25 anos. Mas a gente está tentando quebrar isso com uma coisa chamada comutação, que é uma forma de a gente vir diminuindo a pena. Todo final do ano você pode pedir uma comutação. Tem umas regras e tal, isso passa por um conselho penitenciário e eles veem se você realmente preenche os quesitos para que você possa ter sua pena diminuída.
[Minha pena] era de 52 anos. São sete assaltos. Eu consegui traze-la pela comutação, crime continuado, para 38 anos. De 38 eu tirei 13 anos e três meses. Aí deu o lapso para que eu pudesse sair na condicional. Eu continuo devendo. Mas daqui a pouco termina.
Como é que eu entrei nessa? Eu entrei nessa por amor ao hip-hop. Primeira vez que eu peguei numa arma e fui buscar um dinheiro foi justamente para bancar um CD. Eu não tinha dinheiro. Eu recebi o convite de uma gravadora quando ainda era do Tribunal Popular, isso era em 1997, quando eu já tinha um certo destaque dentro do cenário hip-hop lá em São Bernardo. Um certo empresário viu o grupo cantando na festa dele, gostou, chamou a gente para uma reunião e disse que ia bancar o disco para gente. Entramos em estúdio felizes da vida, chamamos o Brown e o Edi Rock para produzir. Nessa época se fazia muito single, que era um cartão de visita. Só que em seguida, o sócio roubou esse cara. Ele ficou duro e não teve mais como bancar o CD. Eu amava tanto aquilo que eu queria ter meu próprio CD.
Na prisão, em pouco tempo percebi que o crime não era para mim. E isso só se fortificou dentro de mim quando eu comecei a ouvir relatos de companheiros de sofrimento. Comecei a andar com pessoas que gostavam de ler, de estudar. Não quis andar com gente que ficava produzindo faca. Foi até conselho de um cara. Ele viu eu escrevendo uns raps e falou "você é muito talentoso, canaliza isso para fazer algo bom, mostra para a sociedade". Eu peguei aquilo para mim. Era o velhinho Roberto, lá da Cidade Ademar, um grande sujeito. Foi quando eu voltei para o rap.
*
DEXTER
Eu já era Dexter porque eu cantava rap desde 1990, fui preso em 1997. Eu achei esse nome em um livro, uma autobiografia de Martin Luther King em 1993. E como era tendência você se apelidar com um nome americano, eu coloquei Dexter, porque tinha tudo a ver comigo ou pelo menos tudo o que eu tinha que ser. Um dos filhos do Martin Luther King se chama Dexter. Aí o "xis" já me lembrou Malcolm X. Fui procurar a tradução e vi que Dexter significa destro, direito, correto. Aí passa pelo sagaz, pelo esperto. Eu acho que dentro da periferia você tem que ser um Dexter. Hoje ninguém mais me chama de Marcos a não ser minha irmã e minha mulher quando ela está nervosa.
*
509-E
A gente pode pular essa parte? Não existe mais uma relação, então tudo o que eu falar vai parecer... não quero que pareça nada. O que aconteceu foi, no ano de 1999, quando cheguei no Carandiru, conheci um trabalho chamado Talentos Aprisionados. A gente ganhou uma oportunidade de uma gravadora através desse projeto. Chegou até o Wilson Souto, da Atração, e ele gostou muito das músicas "Saudades Mil" e "Oitavo Anjo", que foram escritas por mim. Foi aí que a gente lançou o disco "Provérbios 13", pela Atração Fonográfica. Saíamos para gravar, conseguimos autorização de quatro dias para gravar as vozes. Acabei sendo um dos fundadores do grupo 509-E, um grupo que teve destaque no cenário do hip-hop, que direcionou uma geração, a geração dos anos 2000. A gente veio na contramão de tudo o que estava sendo cantado. Se vangloriava muito o crime e a [nossa] música dizia o contrário, que o crime é podre. Tudo com respeito, com ética, porque ser criminoso no país também é uma profissão. Infelizmente. Eu costumo dizer que todo ladrão com uma arma na mão é um ser humano que precisa de uma chance. Por isso que o hip-hop me salvou, me ajudou a ver oportunidades, ir na contramão.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade