Crítica: Falta de banho serve de metáfora para criticar convicções
Célio Waisman, protagonista do novo romance de Bernardo Ajzenberg, trabalha num instituto ambientalista e, de um dia para o outro, decide parar de tomar banho. Célio até encontra justificativa "ecologicamente correta" para a decisão, mas seu impulso é de outra ordem —obscura para ele mesmo e cômica para o leitor, que acompanha suas peripécias para disfarçar os efeitos fétidos da falta de sabão.
Esse ponto de partida da obra tem algo de satírico, expõe o modo como convicções plausíveis, quando se tornam obsessões, podem conduzir a situações absurdas. Ao longo do romance, Célio angaria simpatizantes, cria o blog MVSB (Minha Vida Sem Banho) —"protesto não só contra o uso indevido da água mas também contra o status quo' em geral"— e participa de reuniões de uma sociedade secreta, o Falanstério —mesmo nome das comunidades utópicas idealizadas pelo socialista Charles Fourier no século 19.
Ocorre que o livro de Ajzenberg não fica restrito a esse fio narrativo bizarro, cujo protagonista é uma espécie de cruzamento entre o personagem dos quadrinhos Cascão e Bartleby, criação do escritor americano Herman Melville, que vive imerso no imobilismo monomaníaco.
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Bernardo Ajzenberg, autor de 'A Loura de Olhos Negros' |
Paralelamente ao relato de Célio, entram em cena mensagens que ele recebe da namorada (que está em Manaus a trabalho e não compreende sua apatia) e trechos do diário de um amigo de seus pais, Marcos Wiesen, relatando a militância política dos três durante a ditadura.
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O relato de Wiesen se sobrepõe aos registros de Célio e o que era cômico revela seu lado dramático: reuniões em células subversivas, onde discussões sobre a luta armada e a hierarquia dos ativistas eram um biombo para disputas pessoais e traições conjugais.
E se o Projeto de Célio (sua militância antibanho) é uma caricatura tanto da Causa ecológica quanto da Organização em prol da Revolução —sempre em maiúsculas, como convém à magia retórica das seitas—, o destino de seus pais, que agonizam no tempo presente da narrativa, abre a cortina de uma sujeira que coloca em xeque a própria paternidade do protagonista.
Contra essas impurezas ideológicas e afetivas —e tendo como pano de fundo o sentimento de culpa judaico e a obsessão do pai de Célio pelo Holocausto como "fuga do presente"—, o livro de Ajzenberg faz da falta de banho uma recusa tragicômica das ilusões de purificação.
MINHA VIDA SEM BANHO
AUTOR Bernardo Ajzenberg
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 24,50 (192 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Livraria da Folha
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