'Precisamos de menos filósofos e mais professores', diz Fernando Savater
"Em vez de reclamar que os jovens não gostam de ler, que só querem saber de internet e não estão nem aí para a filosofia, prefiro tentar fazer alguma coisa."
Assim explica o ensaísta, dramaturgo e professor de ética espanhol Fernando Savater, 67, a razão pela qual lança tantos títulos dedicados a esclarecer a jovens leitores o que é a política, a filosofia e a literatura.
"No mundo de hoje, precisamos de menos filósofos e de mais professores", diz à Folha, por telefone.
Josep Lago - 16.out.2008/AFP | ||
O ensaísta espanhol Fernando Savater |
Vencedor dos principais prêmios espanhóis (Ortega y Gasset, Planeta, Anagrama) e autor de mais de 50 livros ("Política para Meu Filho" e "Ética Urgente!" foram lançados aqui pela Planeta e pelas Edições Sesc, respectivamente), Savater integra o elenco do ciclo de debates Fronteiras do Pensamento deste ano em São Paulo.
Também estão na programação o cientista britânico Richard Dawkins, a ensaísta americana Camille Paglia e o poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar (leia ao lado).
CIDADANIA
Na palestra no Brasil, Savater abordará temas relacionados aos conceitos de cidadania e democracia. Considera que vivemos um período turbulento por causa da persistência de nacionalismos que carregam algo de anacrônico.
"Nas sociedades cosmopolitas e mestiças dos dias de hoje, em que habitamos espaços virtuais junto aos reais, não faz sentido relacionar a representação política à ideia de nacionalidade. Cidadania não pode dizer respeito a apenas um lugar, mas, sim, a um conjunto de direitos universais. Gostaria que fôssemos mais céticos com relação à ideia de nação."
Apesar de identificar claras diferenças entre Europa e América, considera que o fervor nacionalista está na raiz de crises políticas em ambos os lados do Atlântico.
"O nacionalismo é a ideologia mais simples. Para ser comunista ou liberal, é preciso ler alguns livros e conhecer certas teorias. Para ser nacionalista não é necessária nenhuma elaboração mental. Basta dizer: 'Nós somos os melhores e a culpa de nossos problemas é dos outros, eles é que são os maus'. Em países com pouca formação política, é muito eficiente."
Velho conhecedor do terrorismo –foi ameaçado de morte pelo ETA (movimento separatista basco) e viveu por mais de dez anos com escolta–, Savater considera a milícia radical Estado Islâmico uma ameaça com nova roupagem.
"É muito mais agressiva porque é diferente das lutas políticas e nacionalistas que já vimos no passado. Trata-se de um terrorismo niilista, que vai contra aquele que é diferente e contra o que construímos no passado."
CRÍTICAS
Na Espanha, Savater divide opiniões. Já colecionou ataques de conservadores por defender o aborto e a eutanásia (o primeiro é despenalizado no país, o segundo, não) e críticas de catalães e bascos por defender o castelhano como idioma nacional (Savater é basco).
"Os nacionalismos na Espanha têm servido para encobrir más gestões, especialmente na Catalunha."
Recentemente, Savater tem questionado o Podemos (partido de centro-esquerda originado a partir dos protestos dos "indignados", em 2011) e seu líder, o popular Pablo Iglesias. "É uma esquerda que quer voltar ao discurso dos anos 1970, às bandeiras dos anos 1970. É uma viagem no tempo."
LITERATURA
Autor de alguns títulos de iniciação à leitura, também provoca incômodo ao recomendar que jovens leitores não sejam necessariamente introduzidos a clássicos como "Dom Quixote" ou "Os Lusíadas", logo no começo de suas formações.
"Os professores devem ensinar que esses livros são importantes e dizer o motivo, mas também comentar com os alunos os livros que interessam a eles. Senão, não há maneira de competir com meios como a televisão e as redes sociais."
O espanhol, porém, comandou e apresentou a série de sucesso "Lugares con Genio" para a televisão espanhola, que visitava cidades onde se inspiraram ou viveram autores consagrados, como Praga de Kafka, Londres de Virginia Woolf, Buenos Aires de Jorge Luis Borges e outros (é possível encontrar os episódios no YouTube). Do Brasil, se diz um leitor de Machado de Assis.
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