crítica
Montagem com retrato humano de Luther King incomoda muita gente
Sob a aparência inofensiva de uma comédia romântica e depois de um realismo mágico hollywoodiano, "O Topo da Montanha" incomoda muita gente. A peça da jovem americana de Memphis Katori Hall foi festejada em Londres, ao estrear, mas execrada depois em Nova York.
Seu retrato demasiado humano de Martin Luther King, com chulé e querendo trair a mulher, não se mostrou aceitável para a imagem do líder negro que vinha de fazer seu derradeiro pronunciamento –que dá título à peça.
Foi o discurso de Memphis, no Estado americano do Tennessee, em que defendeu uma greve de lixeiros e falou contra o recurso à violência na defesa de seus direitos. No final, prenunciou o próprio homicídio, no dia seguinte, em 4 de abril de 1968.
A peça se passa naquela noite, no hotel onde ele seria depois assassinado. Uma faxineira leva café até o quarto, ele pede cigarro e os dois flertam e conversam. A certa altura, Camea, a linda e sedutora faxineira, sobe na cama e faz um discurso oposto ao de King, em defesa da violência.
Daí parte do incômodo, não só em Nova York, mas em São Paulo, onde estreou com Lázaro Ramos e Taís Araújo, bem-sucedidas estrelas negras –a exemplo de Samuel L. Jackson e Angela Bassett na versão nova-iorquina.
Sentado ao lado do crítico, na estreia, um casal branco não parou de resmungar durante a peça, e depois saiu falando mal para quem quisesse ouvir.
Ramos, conhecido desde a interpretação de grande energia juvenil no espetáculo baiano "A Máquina" em 2000, ao lado de Wagner Moura e Vladimir Brichta, é hoje protagonista pleno.
Compõe King de maneira contida, sem excesso no humor e menos ainda no drama. Expõe as fragilidades do personagem sem apelar ao patético. A grandeza se revela em seu olhar concentrado, por trás dos temores.
É Taís Araújo quem responde pela ação na peça de Katori Hall. São suas as frases curtas, as "one-liners" de comédia, que ela expressa sem sublinhar demais, provocando espasmos de riso, instantes depois, no público. É engraçada e emocionante.
Como diretor, Ramos tem nessa contenção das atuações a qualidade maior. De resto, inspira-se na encenação espetaculosa da Broadway, como nas projeções de personagens históricos do final –ainda que seja sempre bom relembrar vultos como o jornalista negro e baiano Luiz Gama (1830-82), ex-escravo e líder abolicionista.
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