Peça 'Fantasmas' evidencia tensão em Ibsen e critica instituições religiosas
Na maturidade de sua carreira, em 1881, o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) escreveu "Fantasmas", peça que o diretor e dramaturgo Roberto Alvim classificou como "espécie de pesadelo" em entrevista sobre a releitura, em cartaz no Sesc Santana.
Pouco condescendente com o corporativismo das ordens religiosas, o texto foi confrontado por um cenário crítico dominado por teólogos, reclamou o autor a um amigo, por carta, falando da rejeição que sofria.
Sua personagem central é uma viúva (Juliana Galdino) em vias de abrir um orfanato dedicado à memória do marido, um capitão. Os diálogos com um pastor, conselheiro da família (Guilherme Weber), fazem vir à tona traumas ligados à vocação do morto para o álcool e a infidelidade.
Quando fala em "pesadelo", Alvim parece se interessar mais pelas entrelinhas e menos pelos traços "mundanos" da obra, palavra que aqui se interpõe à natureza psicológica e ao retrato irascível de um Ibsen contra "a hipocrisia de instituições que usam máscaras para manipular e lucrar de maneira corrompida".
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Mario Bortolotto (na frente), Pascoal da Conceição (esq.) e Guilherme Weber na peça "Fantasmas" |
Nas entrelinhas, "a obra vai a um lugar que se liga às raízes da humanidade, território da tragédia", diz o diretor, colocando em questão outro personagem, o filho com sífilis (Mário Bortolotto).
Doença sexualmente transmissível, esse pesadelo moral sem remédio naquele contexto localizado no fim do século 19, também pode ser herdado da mãe na gestação e no parto, e é este o caso.
Revela-se na leitura de Alvim uma relação entre mãe e filho que, "psicanaliticamente falando", é "extremamente complexa e edipiana." Há, paralelamente, outros destinos traçados, na peça, por uma compreensão sobre as questões que derivam da repressão sexual, em personagens interpretados por Pascoal da Conceição e Luísa Micheletti.
Na exposição desses dramas morais, há também uma leitura recorrente da obra realista do autor, a de que seus personagens são dragados por uma ação efetivada em um passado distante e indefectível.
É possível dizer que Ibsen adora um leite derramado onde pouco resta a ser feito além de chorar sobre ele.
O traço também é citado como uma fragilidade em sua obra, problema que o desafiou até o fim da vida. Se há pouco a ser feito, se tudo adormece em um tempo esvaído, instala-se o risco do tédio.
A adaptação de Alvim, desenhada na penumbra, com iluminação que evidencia silhuetas, procura "presentificar o passado", diz. A tensão edipiana parece então essencial na composição de gestos.
Os mortos tornam-se fantasmas, com o presente perturbado pelo pai ausente.
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