crítica
Biógrafa esmiúça Leonard Cohen em livro que é quase um catálogo
Depois do esgotamento ao escrever aquele que seria seu último romance, Leonard Cohen dá uma espécie de adeus rimbaudiano à literatura em 1967. Mas, ao invés de se dedicar ao tráfico de armas, como fez o poeta francês, Cohen grava o primeiro disco.
Mesmo com a boa repercussão das canções, a gravadora diz ao autor canadense que seus 33 anos fazem dele um velho na cena da música pop de então. De certa forma, tal condição de estranho no ninho também está presente em sua obra posterior e é essa a trilha que a jornalista inglesa Sylvie Simmons segue em "I'm your Man –A Vida de Leonard Cohen.".
Estão lá, por exemplo, os detalhes envolvendo Janis Joplin como personagem da obra-prima "Chelsea Hotel No.2". Nos corredores do hotel, a cantora procura por Kris Kristofferson, e Cohen, por Brigitte Bardot. O encontro entre aqueles que não se procuram dura uma noite, mas é decisivo. Com a autoironia que lhe é característica, Cohen escreve na letra para Janis algo como "você me disse que preferia homens bonitos, mas que para mim faria uma exceção".
Fred R. Conrad/The New York Times | ||
Leonard Cohen durante entrevista em 2009, no Warwick Hotel, em Nova York |
VOO SOLO
De início, sua obra atravessa a poesia beat e a música folk sem se identificar muito com esses movimentos. É como se o poeta-compositor aproveitasse deles o que julgava necessário para criar um dos repertórios musicais mais singulares da língua inglesa.
Entre as curiosidades do livro, Simmons mostra que essa não identificação se dá em parte por Cohen não ter sido inteiramente apreciado por nenhum dos dois grupos.
MONGE
A biografia visita os bastidores do sucesso tardio nos EUA em 1988, o qual foi seguido, em 1994, pelo isolamento de Cohen em um monastério budista durante cinco anos. De lá, o cantor judeu saiu ordenado monge.
Já septuagenário, é roubado pela empresária e se vê obrigado a sair em turnê para recuperar a aposentadoria. Começa aí a fase de maior disseminação de suas canções. Shows disputados e novos álbuns que contribuem ainda mais para a valorização de suas desconcertantes letras.
Sylvie Simmons consulta um sem-número de fontes. Esmiúça arquivos, entrevista diversos personagens, cita resenhas de livros e discos, consulta fichas de produção das músicas. Enfim, monta um grande mosaico informativo que acompanha as transformações da voz de Cohen.
Mas, seguindo o estilo de uma biógrafa profissional, ela se comporta quase sempre como uma narradora que está fora. Distante, a autora coleta e justapõe dados sobre as aventuras e desventuras, sendo raros os momentos em que ela assume sem medo um posicionamento para sua narrativa.
I'm Your Man |
Sylvie Simmons |
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Em um dos instantes em que isso ocorre, um octogenário Leonard Cohen diz para Simmons escrever a biografia que quiser, desde que não seja uma hagiografia.
Ela levou tão a sério o irônico pedido que correu o risco de transformar o livro numa espécie de catálogo. Mas, ao fim, os dados elencados cumprem bem seu papel, ajudando a mostrar que os 81 anos de Cohen fazem dele, hoje, um dos mais jovens gênios da canção.
LEONARDO GANDOLFI é poeta, professor de literatura portuguesa na Unifesp e autor de "Escala Richter" (7Letras)
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