crítica
Novo filme de Almodóvar não tem a ousadia típica do diretor
O cineasta espanhol Pedro Almodóvar está longe de ser uma unanimidade no mundo do cinema. Alternando erros e acertos, como um Robert Altman latino, o diretor ganhou inúmeros detratores, tão fervorosos quanto os seus fãs –o que de certo modo é injusto, pois talento ele tem.
Após o belíssimo "Fale Com Ela", realizou o frouxo "Má Educação". E, então, o tocante "Volver", que é seguido por "Abraços Partidos", medíocre diluição de sua poética. Já o filme seguinte, "A Pele que Habito", está entre os mais fortes que realizou. Ou seja, temos aí o indesejável efeito gangorra.
Com "Julieta", adaptação de três contos da escritora canadense Alice Munro, o diretor emenda seu segundo filme-problema consecutivo, o que não acontecia desde a dobradinha infeliz "De Salto Alto" e "Kika", nos anos 1990.
Claro que perto do terrível "Amantes Passageiros", o penúltimo de Almodóvar, "Julieta" parece ajeitado. Mas não podemos fechar os olhos para o que tem de problemático.
Não é o caso de invocar a política dos autores: um mau filme de Almodóvar continua sendo um mau filme, apesar de sua assinatura, assim como o mediano "Julieta" não fica melhor debaixo desse suspeito verniz autoral.
Divulgação | ||
Emma Suarez em cena do filme "Julieta", de Pedro Almodóvar |
As primeiras são um piloto automático com estética televisiva de quinta categoria, com excesso de luzes, closes e cortes nada inspirados.
Julieta (Emma Suárez, musa dos filmes de Julio Medem nos anos 1990) é uma mulher de meia-idade que está prestes a se mudar para Portugal com o namorado Lorenzo (Darío Grandinetti).
Mas um passado misterioso, que ela mantém em segredo, volta subitamente, fazendo com que ela resolva continuar em Madri, abandonando o compreensivo Lorenzo.
Nesse passado, entenderemos logo, existe uma filha, com quem Julieta perdeu o contato há 12 anos. Por que esconder isso?
Bem à maneira de Almodóvar, somos transportados para a juventude da protagonista, no exato momento em que ela se envolve com um homem em um trem noturno. O flashback traz certa invenção formal, mas apenas parcialmente. A jovem Julieta (Adriana Ugarte) nos conquista mais pela forma como é filmada do que pelo carisma da atriz.
A aparição de um animal silvestre que corre ao lado do trem, por exemplo, é mágica, digna dos melhores filmes do diretor. Mas é filmada de modo ambíguo, e pode até lembrar um comercial de TV.
A verdade é que Almodóvar está contido demais nesse filme. Em "Má Educação" torcemos para ele sossegar no maneirismo. Em "Julieta" ocorre o contrário: sentimos falta de um estilo mais marcante, algo cabível em um melodrama. Faltou o que normalmente lhe sobra: ousadia estética.
Essa crise criativa está refletida na crise da protagonista, dividida entre um presente de arrependimentos e a possibilidade de recuperar algo do passado para, então, organizar seu futuro.
Por isso a personagem, como o filme, é incapaz de alcançar uma plenitude.
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