'Peer Gynt', de Ibsen, ganha montagem sincretista do diretor Gabriel Villela
Peer Gynt não queria qualquer reino. Queria ser rei de si mesmo. Não que o fizesse pelos modos mais louváveis: Gynt é um fingidor. Meio louco, meio mau-caráter, conta lorotas sobre sua vida, inventa feitos extravagantes, seduz e engana a quem conhece.
Mas há também no seu espírito juvenil um quê de libertário. "Todo sonhador é transgressor", diz o ator Chico Carvalho, que interpreta o personagem na peça homônima de Henrik Ibsen. Dirigida por Gabriel Villela, a montagem reabre nesta quinta (29) o teatro do Sesi, na avenida Paulista, fechado para reformas desde o início do ano. Por trafegar entre o juvenil e o adulto, a peça terá sessões vespertinas.
O anti-herói criado pelo dramaturgo norueguês em 1867 foi inspirado num personagem do folclore nórdico –um trapaceiro fadado à destruição; sua única redenção é o amor de uma mulher.
A narrativa de Ibsen trafega entre o tempo e o espaço e o consciente e o inconsciente no personagem. Começa na juventude do camponês Gynt, acompanha-o por suas viagens pelo mundo (ele se diz "norueguês de nascimento e cosmopolita de espírito"), passando por terras reais e fantásticas, seu enriquecimento por meios ilícitos –trafica escravos e mercadorias–, seus amores e desamores e seu retorno à terra Natal.
Também deixa à sua espera na Noruega a amada Solveig. "Ela é como Penélope, aguardando pelo retorno de Ulisses na 'Odisseia'. Solveig é a virtude da espera, da paciência", comenta Mel Lisboa, que interpreta a personagem.
"Ele é um anti-herói sem nenhum caráter, meio Macunaíma", afirma Villela. "Mas é também um oráculo. Revela muito sobre o homem."
Como quando Gynt compara o ser humano ao descascar de uma cebola: "Quanto mais te cavo e em ti me aprofundo, mais descubro que em ti não há fundo". "A gente o relacionou muito a dom Quixote", diz Carvalho. "Ninguém o entende, ele é louco, mas também visionário."
SARGENTO PIMENTA
Na sua montagem, Villela reduziu a trama de cerca de cinco horas para aproximadamente duas. Cortou alguns personagens e concentrou a história na saga do anti-herói.
Como é costumeiro nos trabalhos do encenador, a música tem presença forte e aparece num sincretismo de gêneros, do rock a marchinhas carnavalescas (veja ao lado).
No lugar da orquestração criada pelo norueguês Edvard Grieg para a montagem original, de 1876, surgem reinterpretações de clássicos do rock, em especial dos Beatles, um diálogo com o espírito transgressor e subversivo do personagem, explica o ator Marco França, que assina a direção musical ao lado da preparadora vocal Babaya.
As músicas são cantadas e tocadas pelo próprio elenco em cena e sem o auxílio de microfones. "Buscamos a suavidade", conta Babaya. "É forte e ao mesmo tempo delicado."
A mistura vista nas músicas é replicada nos figurinos e no cenário do diretor mineiro, conhecido por seu apuro visual e por beber na fonte do artesanato brasileiro.
Em "Peer Gynt", investe no colorido, com forte presença de estampas peruanas. Pincela a inspiração inca com peças de ares asiáticos: quimonos com ilustrações que mesclam orientalismos e releituras dos florais de Matisse. Para representar a diversidade de personagens (alguns deles fantásticos, como duendes e ninfas), também faz uso de máscaras pré-colombianas.
A teia de influências criada por Villela é como a rede de façanhas de Gynt, cujo fim não fica muito claro na trama. "Tudo leva a crer que ele morreu de mentira, já que viveu uma vida de mentiras", comenta o encenador. "Ele é como uma Sherazade: conta histórias para não morrer."
PEER GYNT
QUANDO qua. a sex., às 15h (grupos e escolas); sáb. e dom., às 15h30 (público geral); até 18/12
ONDE Teatro do Sesi-SP, av. Paulista, 1.313. tel. (11) 3528-2000
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
*
tudo junto
Canções da peça
Help! (John Lennon/ Paul McCartney)
Bohemian Rhapsody (Freddie Mercury)
Girl (Lennon/ McCartney)
Yellow Submarine (Lennon/ McCartney)
The Windmills of Your Mind (Michel Legrand/ Alan/ Marilyn Bergman)
Lucy in the Sky with Diamonds (Lennon/ McCartney)
Here Comes the Sun (George Harrison)
Hallelujah (Leonard Cohen)
All My Loving (Lennon/ McCartney)
Lapinha (Baden Powell/ Paulo César Pinheiro)
One (Marvin Hamlisch)
Allah-lá-ô (Haroldo Lobo/ Nássara)
Pierrô Apaixonado (Noel Rosa)
Strawberry Fields Forever (Lennon/ McCartney)
The End (Jim Morrison)
All You Need Is Love (Lennon/ McCartney)
-
e misturado
Influências do figurino
MÁSCARAS
Villela faz uso de máscaras pré-colombianas. Esta, usada pela mãe de Peer Gynt, é manauara
ORIENTAL
Tecidos da casa milanesa Lisa Corti, que mesclam influências asiáticas e releituras de Matisse
INCA
Boa parte do colorido vem de bordados de influência peruana –Villela viajou ao país recentemente
Fotos João Caldas/Divulgação
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade