Felipe Hirsch investiga as raízes das contradições latino-americanas
Patricia Cividanes/Divulgação | ||
Apresentação do espetáculo "A Comédia Latino-Americana" no Festival Mirada, em Santos |
No último mês, "o Brasil mudou dez vezes", diz Felipe Hirsch. "E, nessas dez vezes em que mudou, sempre continuou igual. Não é um descalabro [o panorama político recente], porque a gente já conhece essa história há muito tempo", continua o diretor. "É como aquela frase do Millôr [Fernandes]: 'O Brasil tem um grande passado pela frente'."
Foi investigando as raízes da nossa cultura, das origens de nossa política e de nossos contrastes, que Hirsch e os Ultralíricos –coletivo de atores, criadores e músicos com quem o diretor trabalha nos últimos anos– conceberam a peça "A Comédia Latino-Americana", que estreia nesta sexta (7) em São Paulo.
A montagem é a segunda parte de um díptico iniciado em março com "A Tragédia Latino-Americana". A partir da literatura contemporânea da região, em especial de autores "malditos", analisa as contradições da sociedade.
É também um desdobramento de "Puzzle" (2013-2015), série de quatro peças em que Hirsch e os Ultralíricos investigavam o Brasil a partir da produção literária.
Se o país continua o mesmo, a peça, por outro lado, mudou muito no último mês, desde que fez uma pré-estreia no Festival Mirada, em Santos, em meados de setembro.
Cenas foram cortadas, outras acrescentadas. É um pouco do aspecto orgânico do trabalho, que permite, mesmo ao longo da temporada, reorganizar as cenas, todas elas costuradas pelo cenário maleável: grandes blocos de isopor que os atores (entre eles Julia Lemmertz, Caco Ciocler, Caio Blat e o argentino Javier Drolas) movem num processo contínuo de construção e destruição de formas.
No processo, diz Hirsch, ainda reforçou-se o tom crítico da peça. Se a "Tragédia" tinha uma abordagem mais amorosa, a "Comédia" é "muito dura, difícil de engolir". A política recente –das eleições municipais ao plebiscito sobre o acordo de paz na Colômbia– influenciou, mas não é refletida diretamente.
"A gente não tenta responder às ruas, mas profetizar algo já dito na nossa colonização", diz o diretor. "Queremos discutir que a nossa história está escrita há muito tempo e que ela tem que ser descrita."
No fim, explica ele, a peça circula entre os conceitos de servidão e liberdade. "Mas não apresentamos esses temas de forma dogmática."
O primeiro texto a ser trabalhado no processo do díptico, há um ano, dá as caras agora: "Dupla e Única Mulher", do equatoriano Pablo Palacio.
Há também um recorte feito por Hirsch de "Catatau", de Paulo Leminski, e uma cena escrita por Reinaldo Moraes para a peça, inspirada em Hans Staden, alemão que no século 16 relatou suas aventuras por um Brasil selvagem.
Os textos são permeados pela música composta por Arthur de Faria e tocada em cena por ele e por um grupo de músicos que ganhou a alcunha de Ultralíricos Arkestra. Também ganha voz o elenco, que interpreta as canções em tom farrista, como num cabaré, o que Hirsch denomina um "musical macabro".
"Sempre sonhei em fazer um musical bem terrível, para que as pessoas não fossem mais ver musicais depois de ver o meu", brinca o diretor.
A COMÉDIA LATINO-AMERICANA
QUANDO qui. a sáb., às 20h; dom., às 17h; até 13/11
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11)5080-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
Livraria da Folha
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