40ª MOSTRA DE CINEMA DE SP
Novo de Bellocchio mergulha na intimidade e no psiquismo
1965. O estreante Marco Bellocchio, no auge de seus 20 e poucos anos, irrompia no mundo do cinema com "De Punhos Cerrados", drama sobre um jovem perturbado que vê na destruição da família a forma possível para se libertar do sofrimento.
2016. O veterano Marco Bellocchio, do alto de seus 70 e tantos anos, refaz em "Belos Sonhos" o percurso de um homem maduro que não consegue se libertar do trauma de ter ficado órfão na infância.
Quem embarcar na retrospectiva, infelizmente incompleta, que a Mostra dedica ao cineasta italiano pode ter a impressão de que, entre a violência formal do primeiro longa e o apaziguamento quase clássico do último, o poder de combustão se perdeu.
Divulgação | ||
Os atores Barbara Ronchi e Nicolò Cabras em cena de 'Belos Sonhos', de Marco Bellocchio, que abre a 40ª Mostra de SP |
Outros podem identificar um elaborado processo de refinamento, no qual o cinema se depurou do excedente de mensagens e do teorismo psicanalítico que marcou parte de sua obra.
Nas cinco décadas entre seu primeiro longa e o mais recente, Bellocchio compôs uma filmografia em certa medida desigual, porém incomparável, na qual reflete sobre como as derrotas tornam a história um aprendizado de desilusões.
Seu cinema é, em igual medida, um mergulho na intimidade e no psiquismo, guiado pelo impulso de sondar o quanto as perdas definem o rumo que todos tomam na vida.
O pessimista e melancólico Bellocchio não é, ainda bem, um devoto de nossa senhora da nostalgia. O passado em seu cinema não tem as cores exacerbadas que os cineastas italianos mais jovens gostam de usar ao imaginá-lo.
Apesar de sóbrio, "Belos Sonhos" é um melodrama da mesma magnitude de "Vincere", no qual Bellocchio revisitou a ascensão de Mussolini como mito coletivo enquanto pôs em cena a tragédia de Ida Dalser, a amante que se entregou ao Duce até o desvario.
No novo longa, a desordem de Massimo se manifesta na forma de ataques de pânico, tema mais anedótico e superficial de "Belos Sonhos". Sua instabilidade mais fundamental, no entanto, surge no retrato da infância e da adolescência, quando Bellocchio nos deixa a sós com o personagem, permitindo compartilhar suas fugas, seu medo e sua dor.
Em seu abandono, Massimo descobre o mundo como quem precisa restaurar um sentido, mas se choca o tempo todo com a opacidade e o desinteresse dos adultos por sua falta.
O filme nos leva a percorrer um caminho equivalente com sua narrativa aleatória, em que os tempos se superpõem e os "flashbacks" não têm sentido único e explicativo.
Tal como a memória, aliás.
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