Descrição de chapéu The New York Times

Restrição de vistos deixa artistas no limbo e preocupa instituições nos EUA

RACHEL DONADIO
DO "THE NEW YORK TIMES", EM PARIS

O diretor iraniano de "O Apartamento", que disputa o Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, não vai comparecer à cerimônia de premiação da Academia no mês que vem.

O Museu Metropolitano de Arte de Nova York está preocupado com a possibilidade de que exposições, pesquisas arqueológicas e escavações em parceria com instituições do Oriente Médio precisem ser canceladas ou restringidas. E o programa de teatro do Instituto Sundance pode ter de reduzir iniciativas de intercâmbio com artistas do Oriente Médio e do Norte da África.

A ordem executiva do presidente Donald Trump que busca impedir que muitos estrangeiros ingressem nos Estados Unidos semeou confusão generalizada no sistema de imigração e em aeroportos de todo o mundo, e articuladores e instituições culturais agora estão calculando como as novas políticas prejudicarão sua arte e suas missões.

"Intercâmbios acadêmicos e colaborações internacionais são essenciais para o nosso trabalho em curso, estamos muito preocupados com a ameaça a diversos dos programas que temos em vigor, justo em um momento no qual o mundo precisa de mais, e não menos, intercâmbio e entendimento mútuo", disse Thomas Campbell, diretor do Museu Metropolitano de Arte.

A ordem executiva, assinada por Trump na sexta-feira (27), proíbe, por 90 dias, a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos –Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen.

Também suspende por 120 dias a entrada de todos os refugiados e exclui por prazo indefinido a admissão de refugiados sírios. Artistas –e cidadãos– dos países afetados que residem legalmente nos Estados Unidos disseram que não podem se arriscar a deixar o país, por medo de ver negada sua readmissão.

No caso mais notório, Ashgar Farhadi, que dirigiu "O Apartamento", declarou no domingo (29) ao "New York Times" que não compareceria à cerimônia do Oscar no mês que vem mesmo que lhe seja concedida uma isenção da proibição a obter visto.

Ele havia planejado participar da cerimônia, em 26 de fevereiro, e usar o megafone que o Oscar oferece para atrair atenção a uma restrição de vistos que considera "injusta". Mas os novos regulamentos anunciados na sexta criaram "dúvidas e ressalvas que não são aceitáveis para mim, mesmo que uma exceção fosse aberta com relação à minha viagem", ele disse.

Em sua declaração, Farhadi, cujo filme "A Separação" conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2012, condenou "as condições injustas impostas a alguns de meus compatriotas e a cidadãos de seis outros países que tentam legalmente entrar nos Estados Unidos da América" e expressou esperança de que "a situação atual não crie novas divisões entre as nações".

O filme de Farhadi tem por tema um casal de Teerã que estrela uma versão amadora da peça "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, e inclui sutis críticas à censura no Irã. O roteiro do filme teve de ser aprovado pelo governo iraniano, que também o selecionou para representar o país oficialmente no Oscar.

Marcel Mettelsiefen, diretor de "Watani: My Homeland", um documentário indicado ao Oscar, disse que a protagonista síria do filme, Hala Kamil, não poderia viajar para a cerimônia do Oscar porque ela tem um passaporte sírio e um passaporte de refugiada concedido pela Alemanha.

O filme acompanha Kamil e seus filhos em sua busca de asilo na Alemanha. "É muito triste que ela não possa comparecer", disse Mettelsiefen. "Ela é a estrela do filme".

Kamil já visitou os Estados Unidos diversas vezes, e chegou a discursar sobre os problemas dos refugiados nas Nações Unidas, em agosto de 2016.

Hussein Hassan, diretor curdo do longa "Reseba - The Dark Wind", que estrearia nos Estados Unidos no Festival de Cinema de Miami, no mês que vem, disse ter retirado seu pedido de visto em protesto contra a política adotada por Trump.

O produtor do filme e um de seus roteiristas, Mehmet Aktas, diz que a obra, um drama sobre uma noiva que sobrevive a um ataque do Estado Islâmico contra sua aldeia, demonstra que nem todos os muçulmanos são terroristas. Os organizadores do festival disseram que a exibição de "The Dark Wind" continua fazendo parte do calendário.

Philip Himberg, diretor artístico do programa de teatro do Instituto Sundance, disse temer que a restrição à concessão de vistos ponha fim a uma troca bem-sucedida de experiências com profissionais de teatro do Oriente Médio e do Norte da África. Desde que o programa começou, em 2012, cerca de 60 profissionais de teatro de fala árabe participaram de oficinas no Utah, Wyoming, Berlim e Marrocos.

"Isso parte meu coração", diz Himberg. Ele acrescentou que o programa era bancado por doações do Doris Duke Charitable Trust e que o Instituto Sundance não sabia o que aconteceria se os artistas a quem a verba é destinada não pudessem viajar aos Estados Unidos.

A nova norma também deve afetar os museus. Curadores do Museu Metropolitano de Arte de Nova York disseram que a ordem executiva poderia prejudicar ou limitar os empréstimos de obras a e dos países afetados, e que ela restringiria as viagens de profissionais da museologia e artistas aos Estados Unidos para educação, pesquisa, bolsas, oficinas, conferências e outras formas de treinamento. Eles disseram que a nova ordem também pode pôr fim a projetos de pesquisa e escavação arqueológica em parceria com o Iraque e o Irã, e a um projeto conjunto de publicação sobre Nishapur, no Irã.

A decisão de Trump "é especialmente irônica porque a primeira formulação do que reconhecemos hoje como o conceito de habeas corpus foi expressa no Código Hamurábi, um antigo monumento iraquiano sobre a justiça, instalado em lugar público para dar a todos os cidadãos acesso aos seus direitos", disse Kim Benzel, curadora encarregada do departamento de arte antiga do Oriente próximo, no museu.

"Foi uma das muitas contribuições do Iraque ao mundo, e nesse caso à democracia", ela acrescentou. "O que exatamente saiu errado, e como?".

Uma porta-voz do Museu de Arte do Condado de Los Angeles disse não ter "ideia, ainda, de como isso pode nos afetar, mas temos pelo menos uma exposição importante de arte, com peças provenientes principalmente do Irã, que pode ser afetada pelas restrições de viagem, que tornariam difícil pesquisar e trabalhar com artistas e pesquisadores, bem como tomar de empréstimo obras de arte que requereriam transporte por mensageiros que representam coleções iranianas".

A ordem de Trump já complicou os planos para uma produção de "Hamlet" pelo grupo de teatro sem fins lucrativos Waterwell, de Nova York. Um dos atores, Mohammed Aghebatian, cidadão iraniano que estudou na Universidade Yale, está no Irã no momento, e não sabe se terá autorização para voltar aos Estados Unidos.

"Isso é completa e absolutamente antiamericano", disse Arian Moayed, ator que fundou e é diretor artístico do Waterwell. "Ele não sabe o que fazer, estamos tentando conseguir um advogado que o represente".

Shari Rezai, organizadora de shows em Los Angeles, especializada em música persa contemporânea, costuma levar artistas do Irã e outros países aos Estados Unidos, e disse que tinha seis eventos planejados até junho, mas os cancelou três dias atrás, quando foi informada sobre a ordem executiva iminente. Ela está preocupada por o seu negócio, criado sete anos atrás, estar em risco.

"Hoje tenho um show em Los Angeles" com Fared Shafinury, um artista iraniano nascido nos Estados Unidos, ela disse. A banda dele conta com imigrantes entre seus membros. "Tenho muito medo de que esse venha a ser meu último show".

Os advogados estão enfrentando dificuldade para compreender o que significa a restrição. "Há muita coisa aberta a interpretação, nesse caso", disse Jonathan Ginsburg, advogado de imigração da Virgínia que se especializa em vistos para artistas. Ele disse que a terminologia da ordem deixava claro que cidadãos dos sete países "parecem ter sua entrada proibida por 90 dias, mesmo que tenham solicitado e obtido um visto de entrada nos Estados Unidos".

Ele acrescentou que "o avesso da história é que talvez não compreendamos o quanto essas restrições são abrangente até que alguém decida interpretá-las da maneira mais agressiva".

Por enquanto, muitos artistas dos países afetados que residem legalmente nos Estados Unidos dizem que não podem deixar o país por medo de não serem autorizados a retornar. Shahpour Pouyan, artista iraniano que vive em Nova York, tem green card, e tem obras expostas no Museu Metropolitano de Arte, disse que não poderia viajar a Toronto para uma exposição coletiva ou a Paris para uma mostra individual em março.

"Estou preso aqui. Não posso deixar o país e, como artista, isso significa que não posso fazer exposições e mostrar meu trabalho internacionalmente", ele afirmou em mensagem de e-mail. "Que confusão, isso tudo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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