Diretor de 'Joaquim' lê manifesto de cineastas contra governo Temer
Markus Schreiber/AP | ||
O cineasta Marcelo Gomes posa para fotógrafos ao apresentar seu filme em Berlim |
Nove meses após "Aquarius" em Cannes, cineastas brasileiros repetiram protesto político contra Temer.
Desta vez, o ato ficou a cargo do diretor Marcelo Gomes, que leu um manifesto, assinado por diretores e produtores de filmes nacionais no evento, que chama o atual governo de "ilegítimo".
O texto, lido na entrevista seguinte à exibição para a imprensa de filme "Joaquim", pede a manutenção das atuais políticas públicas para o cinema brasileiro, principalmente o autoral, "que corre o risco de acabar".
Dirigido por Gomes, "Joaquim", único título nacional na competição do Festival de Berlim, estreou no evento nesta quinta (16) em meio a aplausos e perguntas sobre quanto a luta de Tiradentes, mostrada nessa ficção histórica, reflete o Brasil de hoje.
"A origem do país está no século 18", diz o diretor à Folha. Seu longa retrata o amadurecimento político do mártir da Inconfidência em meio ao caldeirão que eram as Minas Gerais da época, povoadas por índios despossuídos, negros escravizados e uma elite de origem portuguesa que enriquecia em meio à exploração da terra e subornos.
À reportagem o diretor diz não temer os mesmos percalços enfrentados por "Aquarius" –após o ato em Cannes, o filme de Kleber Mendonça Filho recebeu classificação indicativa de 18 anos e foi desbancado para tentar o Oscar, o que despertou suspeitas de retaliação política.
"Seria uma bobagem, como foi bobagem o que fizeram com 'Aquarius'", diz. "Tem que acabar esse flá-flu. O filme é para todos os brasileiros refletirem sobre o passado e mudarem o presente"
"Joaquim" começa com ares de "Memórias Póstumas de Brás Cubas": sobre imagens de uma cabeça fincada numa estaca em praça pública, a narração fúnebre: "Aqui quem fala é um homem decapitado, mártir de uma revolta fracassada que é estudada em todas as escolas do Brasil".
O longa de Gomes (diretor de "Cinema, Aspirinas e Urubus") escapa da cilada da hagiografia: mostra o alferes Tiradentes como um herói que só amadurece aos poucos, dono de escravos e desejoso de enriquecer com o ouro.
A ausência de muitos documentos históricos permitiu ao diretor imaginar o que teria sido a vida do homem que nas horas vagas arrancava os dentes dos colonos. Ele lida com os corruptos burocratas da Coroa, pequenos contrabandistas e é testemunha de insurreição quilombola.
"Fala-se muito da nossa herança africana pelo lado da música, dança, capoeira. Mas eles trouxeram também a ideia da rebeldia", diz Gomes.
Numa das cenas, que ilustra o despertar político de Tiradentes, um índio e um escravo negro se unem numa cantoria, cada um em seu idioma de origem. "Aquilo é a gênese do Brasil. Eu quis que ele percebesse que a chave está nos despossuídos."
A história mostrou, contudo, que a Inconfidência foi encampada pela elite. Inominado no longa, um poeta que exalta a emancipação dos norte-americanos surge como epítome dos literatos árcades –Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto–que se engajaram na conspiração contra Portugal.
"Mas só Tiradentes foi executado, o mais pobre", diz Gomes. "Os fidalgos construíram aquela consciência pelo desejo de tomar o poder e até reproduzir as mesmas estruturas."
Num festival politizado como o de Berlim, a luta anticolonialista de "Joaquim" pode ser um trunfo na competição pelo Urso de Ouro –o vencedor será divulgado na noite de sábado (18).
Para Gomes, as referências a um episódio tão local, brasileiro, não colocam "Joaquim" em desvantagem. "A crueldade foi uma coisa universal na colonização dos povos europeus. Eles têm interesse em conhecer isso."
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