Melhor filme: Oscar quer limpar a barra com negros após polêmica

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

2017, o ano do Oscar limpar a barra com os negros. Se no ano passado o prêmio parecia filme de Mel Gibson, todo "all white", neste ano dos nove indicados na categoria de melhor filme em três deles a questão racial está fortemente implicada, sendo que dois são, digamos, "all black". Como diziam os antigos: são as voltas que o mundo dá.

Leia a seguir comentários sobre cada um dos filmes concorrentes na categoria.

"La La Land - Cantando Estações"
Favorito dos favoritos, "La La Land" flerta abertamente, e de modo competente, com o musical clássico, do qual extrai certa euforia. No entanto, assim como se desvia habilmente dos clichês que enuncia, Damien Chazelle conduz seu filme em outra direção: ao sair do cinema, não sentimos essa euforia, mas alguma amargura. Nossos sonhos têm seu preço, eventualmente não é pequeno. Como o grande Ozu, "La La Land" nos lembra que a vida é, sim, um pouco decepcionante. Mesmo na capital dos sonhos, Hollywood.

Crédito: Divulgação As protagonistas de 'Estrelas Além do Tempo': Janelle Monáe, Taraji P. Henson e Octavia Spencer
As protagonistas de 'Estrelas Além do Tempo': Janelle Monáe, Taraji P. Henson e Octavia Spencer

"Estrelas Além do Tempo"
De todos, "Estrelas Além do Tempo" talvez seja o mais simpático: discorre com leveza e de maneira clara sobre a dificuldade de ser negro. No filme, três jovens negras de talento e inteligência excepcionais rompem algumas barreiras, trabalham na Nasa etc. No entanto, não podem usar o mesmo banheiro que as funcionárias brancas. A dramaturgia que se funda sobre o par "branco bom/branco mau é vulgar, bastante empobrecedora.

Crédito: Divulgação Cena de 'A Qualquer Custo', filme que concorre ao Oscar em quatro categorias
Cena de 'A Qualquer Custo', filme que concorre ao Oscar em quatro categorias

"A Qualquer Custo"
É à grande crise de 1908 que "A Qualquer Custo" remete? Pode ser. Mas é dos grandes policiais clássicos que o filme de David Mackenzie parece falar antes de mais nada. A dupla de irmãos assaltantes de bancos remete aos antigos filmes desse gênero, com um dos irmãos fazendo o gângster furioso, psicopata, e o outro o gângster frágil, vítima das circunstâncias. O papel bem Oscar do filme é o do policial Jeff Bridges, com os maneirismos e tiques texanos. Nesse bom filme existe ainda a bela exploração da paisagem texana (Oeste do Texas, esclarece Jeff Bridges): o apogeu da América profunda.

Crédito: Divulgação Denzel Washington e Viola Davis em cena de 'Um Limite Entre Nós

"Um Limite Entre Nós"
Ninguém dirá que falta audácia a "Um Limite Entre Nós". Na primeira metade fala-se muito, mas não há conflito. Na segunda, eles eclodem todos e o filme, ou ao menos seu roteiro, chega aonde queria chegar: ao longo do discurso de Troy (Denzel Washington) se faz a demonstração, por meio de seus erros e acertos, grandezas e misérias, da dureza da vida dos negros. Troy pertence a uma era de transição: pré movimentos pela igualdade, mas pós segregação pura e simples. Como diria ele mesmo em seu falar beisebolístico, o negro é o que está sempre em "strike two", ou seja, à beira da eliminação. A mise-en-scène muito cheia de ênfases não ajuda; por vezes beira o cafona e termina por atribuir uma espécie de santidade a Troy, que é quase uma monstruosidade gestada pela sociedade branca.

Crédito: Divulgação Amy Adams em cena de 'A Chegada', que concorre a oito Oscar

"A Chegada"
Eis outro filme de risco: "A Chegada". Temos aqui uma nova visita de alienígenas à nossa querida Terra. De novo? O que são eles? As perguntas são as de sempre. Mudam os bichos. Agora, uma espécie de polvos gigantes. O que querem de nós? Isso é o que a linguista Amy Adams está encarregada de descobrir. Boa parte do filme resume-se a isso: uma espécie de Champollion decifrando essa nova Pedra da Roseta. Pouco atraente. Para compensar, em tom ainda mais solene, o tempo na vida de Amy Adams a horas tantas começa a se parecer com uma refilmagem de "O Ano Passado em Mariembad".

Crédito: Divulgação O ator Sunny Pawar interpreta o jovem Saroo em 'Lion: Uma Jornada Para Casa
O ator Sunny Pawar interpreta o jovem Saroo em 'Lion: Uma Jornada Para Casa'

"Lion - Uma Jornada para Casa"
É nos poderes mágicos da Índia que aposta "Lion - Uma Jornada para Casa". Se, afinal, sua triste realidade deu um Oscar a "Quem Quer Ser um Milionário", pode dar a qualquer outro. Inclusive a esse melodrama de premissa manjada (menino perde-se dos pais; parte em sua busca anos depois). Convém não desesperar dela, no entanto: na longa jornada de Dev Patel, adotado ainda na infância por uma família australiana, o filme explorará emoções até a última lágrima cair.

Crédito: Mark Rogers/Summit via AP Andrew Garfield em cena de 'Até o Último Homem'´, que concorre a seis Oscar
Andrew Garfield em cena de 'Até o Último Homem'´, que concorre a seis Oscar

"Até o Último Homem"
É o sacrifício que fascina Mel Gibson. Ao ver o Desmond Doss de "Até o Último Homem" em ação parece que revemos seu Cristo: o martírio, o sangue, a pureza, a vida oferecida pelo outro. Eis seus temas, que Mel desenvolve com a pouca sutileza habitual. Como estamos em guerra, trata-se do sacrifício absoluto, com vísceras expostas, soldados explodindo, pedaços de gente voando para cá e para lá etc. Mel é um homem que acredita em heróis. Não em super-heróis, mas em heróis: se caipiras e fanáticos religiosos dispostos a tudo pela sua fé, melhor. "Até o Último Homem" é o primeiro filme da era Trump.

Crédito: Reprodução Casey Affleck protagoniza 'Manchester à Beira-Mar
Casey Affleck protagoniza 'Manchester à Beira-Mar'

"Manchester à Beira-Mar"
O principal mérito de "Manchester a Beira-Mar" é o de nos mostrar como se forma um brigão de bar, um desses caras que vivem procurando encrenca porque no fundo são possuídos por uma grande dor que os consome etc. etc. Convenhamos que não é muito, tanto mais que vem acompanhado pela célebre vida das cidadezinhas americanas etc. etc. Casey Afleck tem uma única expressão do começo ao fim. O papel não pede mais, é verdade. Mas o carnaval em torno de sua interpretação parece dar a entender que a categoria de melhor ator está meio capenga este ano.

Crédito: Divulgação Alex R. Hibbert em cena de 'Moonlight - Sob a luz do Luar
Alex R. Hibbert em cena de 'Moonlight - Sob a luz do Luar'

"Moonlight - Sob a Luz do Luar"
Já no final de "Moonlight - Sob a Luz do Luar", um amigo pergunta a Black "quem afinal é você?" Para alguém que acompanha o amigo desde a infância é bastante tempo... Mas a questão faz todo sentido. Quem é ele? O menino franzino a quem chamavam de Little, o adolescente Chiron, vítima de bullying dos fortões da escola, ou Black, o adulto traficante? O introvertido Little parece constituir-se de fora para dentro: parece que será sempre o que dizem que é. É fraco? É gay? É excluído? Tudo isso. A vida de Chiron será essa: mudar de nome e de pele. Sua jornada consiste em descobrir quem é.


Veja a lista das outras categorias comentadas por profissionais, críticos e colaboradores da Folha.

Melhor diretor, por Sergio Alpendre
Melhor filme estrangeiro, por Cássio Starling Carlos
Melhor animação, por Sandro Macedo
Melhor documentário, por Aline Pellegrini
Melhor documentário de curta-metragem, por Lívia Sampaio
Melhor roteiro original, por Francesca Angiolillo
Melhor roteiro adaptado, por Francesca Angiolillo
Melhor ator, por Guilherme Genestreti
Melhor atriz, por Teté Ribeiro
Melhor ator coadjuvante, por Guilherme Genestreti
Melhor atriz coadjuvante, por Teté Ribeiro
Melhor fotografia, por Daigo Oliva
Melhor montagem, por Matheus Magenta
Melhor direção de arte, por Guilherme Genestreti
Melhor trilha sonora, por Alex Kidd
Melhor canção original, por Giuliana Vallone
Melhor figurino, por Pedro Diniz
Melhor maquiagem e penteado, por Anna Virginia Balloussier

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