Crítica
'Cortina de Ferro' se perde por vezes na busca pelo relato objetivo
AP | ||
Cerca de arame farpado que separava Hungria da Áustria é retirada em maio de 1989 |
CORTINA DE FERRO (bom)
QUANTO: R$ 109,90 (712 págs.)
AUTOR: Anne Applebaum
TRADUÇÃO: Alexandre Morales
EDITORA: Três Estrelas
Anne Applebaum começa e acaba seu colosso acerca da ocupação soviética da Europa Oriental contando a história da Liga das Mulheres Polonesas, na cidade de Lodz.
Instituição de caridade, em 1945 a liga oferecia ajuda aos deslocados da Segunda Guerra Mundial. Em cinco anos, virou pedaço orgânico do Partido Comunista local durante a transformação da Polônia em um Estado-satélite da União Soviética.
Em 1990, após o descerramento da Cortina de Ferro que dá título à obra da jornalista, havia voltado à origem.
A descrição do processo de absorção de estruturas da sociedade pelos planejadores soviéticos, focalizando o período de auge do stalinismo, entre 1944 e 1956, é a força motriz do livro e, ao mesmo tempo, sua fraqueza.
Impressiona o grau de detalhamento da ação de transformação social nos países em que o Exército Vermelho se viu estacionado após derrotar os nazistas em 1945. Oficiais treinados para doutrinação e gestão nas áreas ocupadas estavam prontos para agir, à semelhança dos esquadrões de extermínio das SS que acompanhavam tropas regulares alemãs no leste.
Applebaum tem lado. É casada com um ex-chanceler polonês e já havia escrutinado tema correlato em um livro sobre os campos de degredo político soviéticos.
Mas isso não a impede de buscar compreender por que os cidadãos afetados, com as exceções conhecidas, majoritariamente adaptaram-se à nova realidade na esperança de alguma normalidade após os horrores da guerra.
Depoimentos pontuados por referências culturais de proa, como o escritor húngaro Sándor Márai ou seu colega polonês Czeslaw Milosz, iluminam o quadro sem, contudo, deixá-lo colorido. É um livro pesado, monocórdico várias vezes, o que não facilita o transcurso de suas 595 páginas –notas e índices vão até a página 710.
Há também um paradoxo narrativo. A busca pelo relato objetivo acaba expondo certa falta de visão analítica.
Ao discutir os interesses soviéticos, Applebaum se limita a descartar a tese revisionista segundo a qual Stálin apenas reagia a ameaças americanas quando desceu sobre a Europa a famosa cortina –expressão de brilhante sacada retórica do líder britânico Winston Churchill.
É verdade, mas perde-se o contexto geopolítico. Basta um mapa para entender a razão inicial, ainda que não única, dos soviéticos. Eles repetiam o que os Románov haviam feito ao montar seu império e o que Putin busca na Ucrânia, Geórgia e afins: estabelecer áreas que dessem profundidade estratégica entre seu território e o Ocidente hostil.
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Há também um problema de foco. A autora escolhe a "sua" Polônia, a Hungria e a Alemanha Oriental para a dissecção. À parte as diferenças entre esses países, não é possível contar uma história que se queira abrangente da região sem analisar regimes que tomaram caminhos díspares, como o da Iugoslávia.
Tudo isso não tira o valor do trabalho empreendido, vigoroso, mas o torna algo monolítico como o seu objeto.
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