Crítica
Antes de 'Moby Dick', Melville fez relato de marujo que vai ao Rio
Wikipedia/Divulgação | ||
O autor Herman Melville |
JAQUETA BRANCA OU O MUNDO EM UM NAVIO DE GUERRA (bom)
QUANTO: R$ 103,90 (464 págs.)
TRADUÇÃO: Rogério Bettoni
AUTOR: Herman Melville
EDITORA: Carambaia
"Não deixo nada passar, por menor que seja", anota o narrador de "Jaqueta Branca ou o Mundo em um Navio de Guerra", de Herman Melville, lançado em 1850 (um ano antes da obra-prima "Moby Dick") e publicado pela primeira vez no Brasil em edição caprichada. Ele não está brincando.
Disposto a "registrar as menores trivialidades relacionadas a coisas que estão fadadas a desaparecer totalmente da Terra", o autor dedica um detalhismo enciclopédico ao registro de sua experiência de 14 meses como marujo a bordo do "USS United States", aqui rebatizado de "Neversink" (Nunca-Afunda).
"Jaqueta Branca" não é bem um romance. Parte crônica de viagem, parte reportagem ficcionalizada para ocultar a identidade dos personagens, é ainda um libelo contra o despotismo da Marinha, sobretudo contra os castigos físicos impostos aos marinheiros.
Como propaganda política, a obra foi um sucesso. Citando-a como inspiração, o Congresso americano aboliu as chibatadas na Marinha meses após seu lançamento.
Seu valor para historiadores náuticos é incalculável. O olhar de Melville flagra tanto a arquitetura física quanto a social: cada centímetro do navio é esquadrinhado por descrições meticulosas e cada ofício, explicado e situado num complexo edifício hierárquico.
A condição de clássico que o escritor adquiriu postumamente garante a importância do livro para estudiosos de literatura. O retratista de tipos, o leitor de clássicos, o humorista e o estilista estão preservados pela boa tradução.
Melville tinha razão, porém, ao considerar "Jaqueta Branca" uma obra menor, escrita em apenas dois meses. Recheado de episódios que vale a pena garimpar, o livro como um todo se ressente de um certo tom de relatório.
O único fio condutor romanesco, a desajeitada "jaqueta branca" que o narrador fabrica para si e que quase o mata no fim, é frágil demais para evitar as calmarias. Talvez uma caça à baleia –também branca– funcionasse melhor?
Para o leitor brasileiro, a melhor surpresa está no miolo, nas cerca de cem páginas que, a partir da 174, mostram o "Neversink" no Rio. Exaltado com a beleza da paisagem, o narrador quebra então sua promessa de não falar de nada que esteja fora do navio.
Seu entusiasmo é temperado por comédia quando um jovem dom Pedro 2º, homem de modos "mais que impecáveis", sobe a bordo em visita de cortesia e provoca a ira de um marujo falastrão. "O verdadeiro imperador aqui sou eu!" A curiosa parte "brasileira" já seria suficiente para recomendar o livro.
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