ANÁLISE
Morte de Chris Cornell enterra o grunge
A morte de Chris Cornell, aos 52 anos, na noite desta quarta-feira (17), marca um triste e precoce fim para uma geração que ascendeu no rock dos anos 1990 após a chamada "revolução grunge".
O ex-vocalista do Soundgarden e do Audioslave, morto horas após fazer um show em Detroit, nos EUA, era uma das quatro maiores vozes do último movimento realmente relevante a renovar o rock n' roll.
Sua passagem completa um ciclo triste e violento iniciado com a morte de Kurt Cobain.
Dois eixos principais marcam esse processo de extinção forçada: primeiro, a relação autodestrutiva com as drogas, em especial a heroína. Segundo, o trato desconfortável e antagônico com o sucesso comercial.
A alienação frente aos holofotes era compreensível em se tratando de uma geração que, ainda que de maneira descoordenada, enterrou e superou uma era de excessos, ilustrada de maneira caricata pelo rei deposto Axl Rose, do Guns N' Roses.
Kurt Cobain foi o primeiro. Alçado contra a própria vontade ao posto de líder do movimento e antípoda do modelo de rock star, o líder do Nirvana se matou com um tiro de espingarda na cabeça, em 1994, aos 27 anos.
Então um semideus, Cobain enfrentava crises de depressão e um avassalador vício em heroína, agravado por dores causadas por uma úlcera no estômago.
Depois foi a vez de Layne Staley, o visceral e macambúzio líder do Alice in Chains, em 2002, aos 34 anos e mais de quatro anos após sua última aparição pública.
Afastado da família, dos amigos e da cena musical e deteriorado pelo uso de drogas, Staley teve o corpo encontrado em casa semanas após o que as autoridades acreditam ter sido uma overdose de heroína e cocaína.
Estava sentado no sofá, com a televisão ligada e cercado por restos de drogas no cômodo. Segundo relatos, já quase não tinha dentes na boca e pesava 39 quilos.
Em 2015, Scott Weiland seguiu os macabros receituários autodestrutivos do rock e morreu, também de overdose —de cocaína e remédios, após décadas de luta contra o vício em heroína e álcool—, em um ônibus de turnê.
O músico tentava se reerguer em carreira solo após uma saída nada amigável do Stone Temple Pilots, a terceira desde a formação da banda, em 1992, e após ter sido expulso do supergrupo Velvet Revolver, formado pelos então ex-membros do Guns N' Roses Slash e Duff McKagan.
LIMITES
Agora é a vez de Cornell, certamente a voz mais virtuosa entre todos os citados, e, ironicamente, um dos primeiros na lista a tentar pular do barco do niilismo rumo à salvação, embora tenha sempre flertado com o vício, em particular com o álcool.
Saudável e até rejuvenescido, teve tempo de fazer sucesso de novo com outra banda, o Audioslave, um dos últimos suspiros do rock n' roll —o posto de líder do grupo recrutado pelo ex-Rage Against the Machine, Tom Morello, havia sido pensado inicialmente para Staley, que nunca apareceu para um teste agendado.
Nos últimos anos, empreendeu bem-sucedida carreira solo, flexionando os limites entre rock e pop e inclusive arriscando-se musicalmente em outras searas.
Não deixa de ser sintomático, aliás, que Weiland e Cornell tenham deixado o palco da vida já no início da velhice e em um tempo em que o gênero agoniza, pressionado pela própria irrelevância.
Em especial nos Estados Unidos, onde o crescimento do hip-hop e do pop alçou rappers (Jay Z, Kanye West e, mais recentemente, Kendrick Lamar e Drake) e divas (Beyoncé, Lady Gaga) aos postos de porta-vozes geracionais que antes eram ocupados por roqueiros cabeludos.
Também é sintomático que deste time tenha sobrado Eddie Vedder. O cantor do Pearl Jam —há expressivos 27 anos com a banda— nunca foi um junkie, ao menos não como os colegas, e desde cedo se esforçou para ultrapassar os limites mórbidos desta cena.
Conseguiu: Vedder é hoje uma instituição e, muito além da contribuição ao grunge, tornou-se referência até na militância por causas como a defesa do meio ambiente.
Como que fechando um ciclo soturno, aliás, vale lembrar que o próprio movimento grunge foi catalisado por uma morte: a de Andrew Wood, vocalista do grupo Mother Love Bone, em 1990.
Em homenagem ao amigo morto, Cornell recrutou colegas músicos para uma banda-tributo, o Temple of the Dog. Fãs de Pearl Jam reconhecerão rapidamente a formação deste efêmero conjunto: os guitarristas Stone Gossard e Mike McCready, o baixista Jeff Ament e o baterista Matt Cameron.
Eles mesmos, os membros do Pearl Jam, então à procura de uma voz. Conheceram, na ocasião, um jovem cantor que havia viajado de São Diego a Seattle para um teste em outro grupo: Vedder.
O resto é história e, espera-se, ainda ganhará tintas. Mas só por garantia: alguém por favor coloque Eddie Vedder em um local seguro.
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