Crítica
'Diário da Cadeia' atinge a forma própria de lidar com a política
Heuler Andrey - 20.out.2016/AFP | ||
Após noite na carceragem da Polícia Federal, Eduardo Cunha chega ao IML de Curitiba |
DIÁRIO DA CADEIA (muito bom)
QUANTO: R$ 34,90 (192 PÁGS.)
AUTOR: Eduardo Cunha (Pseudônimo)
EDITORA: Record
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S.A: Sociedade Anônima. Em português de dicionário: "forma jurídica de constituição de empresas na qual o capital social não se encontra atribuído a um nome em específico". Definição técnica tão exata que se torna suspeita. Imagine-se o que pode medrar à sombra do anonimato.
"Diário da Cadeia", de Eduardo Cunha (pseudônimo), esclarece o alcance da maracutaia, pois, a seu modo, o pseudônimo é uma S.A. ficcional. A sigla sugere: "sem assinatura".
O diário da cadeia apresenta duas narrativas de desintegração e sua explicitude torna a caricatura a forma própria de lidar com a política brasileira –recurso adotado no recente filme de Gustavo Acioli, "Mulheres no Poder".
De um lado, a exposição dos subterrâneos de Brasília ameaça dar xeque-mate no tabuleiro bem armado do saque do Estado traduzido em abismo para o futuro, assim como da corrupção travestida de governabilidade.
O pseudônimo condena os holofotes, repetindo como um mantra: "tornar crime o que não era crime antes".
De outro, estiola-se a personalidade de Eduardo Cunha.
No princípio, ele acredita tudo controlar: busca câmeras escondidas de um reality show; revela segredos como se armasse pegadinhas em programa de auditório; ministra conselhos como se fosse um pastor cobrando o dízimo com as muitas mãos no bolso; escreve um livro-bomba, Impeachment, para destruir reputações; organiza arquivos como se não houvesse ontem.
Um arremedo de lucidez e lógica colore seu texto, embora a crise mais séria do ex-deputado remeta ao impeachment imposto à crase. Dessa singela fusão de preposição e artigo, o pseudônimo foge como o diabo da cruz. Logo Cunha, o mandarim de criativos conluios milionários.
Diário da Cadeia (Obra de Ficção) |
Eduardo Cunha (Pseudônimo) |
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Na primeira entrada do "Diário", a confiança é inabalável; não chega a mover grades, mas anuncia uma determinação férrea, porém modesta: "Jesus também passou pelo que estou passando e depois deu a volta por cima para cuidar do ser humano".
Ninguém ignora, o povo merece respeito. Na sequência, comete-se o ato falho que bem mereceria uma pena severa: "O que está sendo posto em cheque agora, nessa nação abençoada por Deus, é o meu equilíbrio. Mas é ingênuo colocar em cheque o que eu sempre tiver de melhor".
TODO-PODEROSO
Colocar o "cheque" acima de tudo: eis o pecado original do político todo-poderoso de plantão. No final do "Diário", a escrita é puro delírio. Deus, misericordioso, rompe o silêncio obstinado que começou no Antigo Testamento e fala com Cunha: "Agora ao soar da última trombeta, você é o meu general, Eduardo".
Wilhelm Steinitz, inventor do modo moderno de jogar xadrez, enlouqueceu e passou seu final de partida desafiando a Deus. Ardiloso, o Senhor impediu o campeão mundial de tocar nas peças, que produziam violentos choques.
Grande mestre da modernização do arcaico, o pseudônimo perde o jogo e ainda assim recebe gordos cheques. Fartos como os bois no pasto do senhor campeão mundial de delações.
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