Sem romantismo, morte de cantor do Linkin Park é alerta sobre depressão

RAFAEL GREGORIO
DE SÃO PAULO

Quando Scott Weiland morreu, em dezembro de 2015, foi como se o sistema que rege o destino tivesse sofrido algum tipo de bug.

Não porque sua morte por overdose fosse improvável. Pelo contrário, isso foi por muito tempo esperado, dada a maior parte da vida adulta lutando contra vícios em cocaína, heroína e álcool. Ele liderava, inclusive, rankings de apostas sobre rockstars prestes a morrer. Também enfrentou divórcios, brigas e demissões.

O destino aparentou ter sofrido um bug porque parecia que o pior já havia passado para o cantor, famoso à frente do Stone Temple Pilots e do Velvet Revolver.

Afinal, após uma carreira construída sobre letras e melodias soturnas que ilustravam superação e esperança, o americano havia passado do teste dos 27 anos. Depois, dos 30 e dos 40. E estava há mais de uma década limpo.

Recaiu e, em poucos meses, morreu. Aos 48, nos fundos de um ônibus durante uma turnê decadente, em má forma, lutando para encher casas de médio e pequeno porte e tentando reviver o auge da carreira.

Derrotado por um inimigo há muito conhecido.

Mas seria esse inimigo a droga? O vazio da fama? Os excessos inerentes ao rock n'roll?

Ou seria a depressão?

Há pouco mais de dois meses, foi a vez de Chris Cornell. Suicidou-se aos 52 anos, após se apresentar em um show lotado, em meio a uma turnê elogiada.

Também viciado em álcool e drogas, também em eterno alerta, mas, desta vez, com o agravante de incompreensão de, na aparência, estar recuperado e vivendo o melhor e mais harmonioso momento da vida.

Ensolarado, com filhos, trabalhando duro, lotando shows. Fazendo de seu renascimento inspiração a milhões de almas assoladas por vícios, tristezas, traumas. E depressão.

Nesta quinta-feira (20), morreu Chester Bennington, vocalista da banda Linkin Park.

Ao que tudo indica, assim como Cornell, também por suicídio e durante uma turnê. Filhos, planos, publicações felizes em redes sociais: também parecia viver um ótimo momento.

Bennington, 41, foi fã de Cornell e, em especial, de Weiland. Dividiu palco com o Stone Temple Pilots em uma memorável turnê em 2001 e chegou a suceder o cantor à frente da banda, com quem lançou um disco, em 2013, antes de devolver-se com exclusividade ao Linkin Park, que nunca parou.

Com sua fórmula de heavy metal, grunge, hip-hop e hard rock, intitulada nu metal pela crítica especializada, e escorado na voz gutural, nas letras sombrias e nas performances vívidas de Bennington, seu grupo foi o maior do mundo.

Colecionou marcas, como ser um dia a banda com mais fãs no Facebook, e, nadando contra uma corrente de perda de relevância social e cultural do rock, lotou estádios.

Inclusive no Brasil, em passagem louvável em 2004 —na ocasião, quem fez o show de abertura foi o Charlie Brown Jr., cujos líderes Chorão e Champignon também morreram por overdose e suicídio nesta década.

Quando da morte de Cornell, escrevi análise tentando contextualizar aquela perda no cenário do grunge. Nos dias que se seguiram, senti pelas palavras; pareciam não estar à altura da grandeza do artista.

Pior, denotavam desrespeito à sua memória ao elencar mortes como se fossem números ou mesmo fatos imaginários em um roteiro ficcional, e não o que verdadeiramente eram: desfechos trágicos, imutáveis e nada românticos às biografias de artistas que inspiraram gerações de ouvintes e músicos.

Entre tantas análises na imprensa musical, uma me chamou a atenção. Versava sobre como o elemento a unir atrações no rótulo "grunge" nunca foi a música. Nem a geografia nem o tempo. Muito menos a aparência ou as roupas (o desbotado mote da "camisa de flanela"...).

Não. O que agrupou as atrações em torno de um denominador comum foram sentimentos de não pertencimento, aflição, angústia. Uma série de agruras da mente reunidas há relativas poucas décadas por médicos em conceitos e até mesmo códigos de classificação internacional de doenças ("CID 10 - F32" e "CID 10 - F33").

Crédito: Flávio Hopp/Raw Image/Folhapress O vocalista Chris Cornell na apresentação da banda Soundgarden no palco do Lollapalooza 2014, no autódromo de Interlagos na zona sul de São Paulo.
O vocalista Chris Cornell com o Soundgarden no Lollapalooza 2014, no autódromo de Interlagos

É a depressão que reúne em um mesmo contexto musical bandas tão díspares que surgiram ao longo dos anos 1990, como Nirvana, Alice in Chains, Soundgarden, Hole, Mother Love Bone, Stone Temple Pilots, Mad Season, Linkin Park, Blind Melon e até —forçando um pouco a barra— Sublime.

Todos esses conjuntos tiveram mortes por suicídio ou por overdose há muito prenunciadas.

Talvez sejam mesmo eles, o grunge e a depressão, as grandes heranças da geração X. Nós, que já não somos adolescentes nem pais de adolescentes.

Neste momento, o pior que podemos fazer é embalar a perda de Chester Bennington nos envelhecidos e inadequados clichês do niilismo do rock n'roll.

Índices alarmantes de suicídios em grandes cidades, inclusive no Brasil, mostram que não há romantismo na depressão, doença a afligir famosos e anônimos, músicos e engenheiros, e nos incitam a refletir sobre essa perda de maneira responsável e pró-ativa.

Como já ressaltou a repórter Claudia Collucci, mais de 90% dos casos de suicídio podem ser evitados. Não custa lembrar que o CVV (Centro de Valorização da Vida) presta serviço gratuito de extrema importância por meio do telefone 141. Também é possível entrar em contato e receber apoio emocional via internet, a partir de e-mail, chat e Skype 24 horas por dia.


Sinais de Alerta

Crédito: Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
  • falar sobre querer morrer
  • procurar formas de se matar
  • falar sobre estar sem esperança ou sobre não ter propósito
  • falar sobre estar se sentindo preso ou sob dor insuportável
  • falar sobre ser um peso para os outros
  • aumento no uso de do álcool e drogas
  • agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável
  • dormir muito ou pouco
  • se sentir isolado
  • demonstrar raiva ou falar sobre vingança
  • ter alterações de humor extremas
  • quanto mais sinais, maior pode ser o risco da pessoa
Crédito: Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress

O que fazer

  • não deixar a pessoa sozinha
  • tirar de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
  • ligar para canais de ajuda
  • levar a pessoa para uma assistência especializada
Crédito: Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress

Alguns pontos de alerta para depressão em adolescentes:

  • Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos
  • Piora do desempenho na escola, no trabalho e em outras atividades rotineiras
  • Afastamento da família e de amigos
  • Perda de interesse em atividades de que gostava
  • Descuido com a aparência
  • Perda ou ganho inusitado de peso
  • Comentários autodepreciativos persistentes
  • Pessimismo em relação ao futuro, desesperança
  • Disforia marcante (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva)
  • Comentários sobre morte, sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática
  • Doação de pertences que valorizava

Cerca de 90% das pessoas que morrem de suicídio possuíam transtornos mentais. Elas poderiam ser tratadas e acompanhadas

Mitos em relação ao suicídio

Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir uma pessoa a isso
Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, fortalece o vínculo com uma pessoa, que se sente acolhida e respeitada por alguém que se interessa pela extensão de seu sofrimento.

Ele está ameaçando o suicídio apenas para manipular...
Muitas pessoas que se matam dão previamente sinais verbais ou não verbais de sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Ainda que em alguns casos possa haver um componente manipulativo, não se pode deixar de considerar a existência do risco de suicídio.

Quem quer se matar, se mata mesmo
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo. Ao contrário dessa ideia, as pessoas que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer. Quando falamos em prevenção, não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim os que podem ser evitados.

Veja se da próxima vez você se mata mesmo!
O comportamento suicida exerce um impacto emocional sobre nós, desencadeia sentimentos de franca hostilidade e rejeição. Isso nos impede de tomar a tentativa de suicídio como um marco a partir do qual podem se mobilizar forças para uma mudança de vida.

Uma vez suicida, sempre suicida!
A elevação do risco de suicídio costuma ser passageira e relacionada a algumas condições de vida. Embora a ideação suicida possa retornar em outros momentos, ela não é permanente. Pessoas que já tentaram o suicídio podem viver, e bem, uma longa vida.

Telefones e sites de ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV): 141
Também é possível entrar em contato e receber apoio emocional do CVV via internet, a partir de email, chat e Skype 24 horas por dia

Fontes: American Foundation for Suicide Prevention; Centro de Valorização da Vida; "Comportamento suicida: vamos conversar sobre isso?", de Neury José Botega, membro-fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio; "Preventing Suicide: A Global Imperative", da Organização Mundial da Saúde

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