CRÍTICA
Pynchon faz obra exemplar do 'realismo histérico' em novo livro
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Representação de Thomas Pynchon em 'Os Simpsons'; personagem seria dublado pelo próprio autor |
O ÚLTIMO GRITO (ótimo)
AUTOR Thomas Pynchon
TRADUÇÃO Paulo Henriques Britto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 79,90 (584 págs.)
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Cunhado pelo crítico James Wood em um ensaio de 2000, o conceito de "realismo histérico" ajuda a definir certos romances extensos, ambiciosos e repletos de subtramas. Tornou-se lugar-comum evocar o ensaio (e o termo) para analisar alguns dos melhores trabalhos de Zadie Smith, Don DeLillo ou Thomas Pynchon. Recorro a ele para apontar um detalhe decisivo em "O Último Grito", de Pynchon.
Seus personagens, em grau mais elevado que os de outros autores do realismo histérico, são propensos a descobrir ou imaginar complôs mirabolantes, enxergar conexões, traçar paralelos. Como nota Wood, é evidente que o que os move é, em boa medida, a paranoia.
Em seguida, observa que a obsessão de um personagem pelas conexões –e a própria obsessão de um autor por uma estrutura em que um fato esteja ligado a outro, que está ligado a outro, e a outro, e a outro– lembra a maneira como as informações estão dispostas e articuladas na internet.
Assim, não é preciso muito para entender que a paranoia pynchoniana encontra a expressão ideal em trama que depende fortemente da internet. Publicado em 2013 com o título de "Bleeding Edge", o oitavo romance do americano parte do estouro da bolha pontocom no início do milênio.
Como todo livro de Pynchon, este também é impossível de resumir sem reduzir o conjunto a uma fração mínima daquilo que ele de fato representa e engloba.
Maxine Tarnow é uma investigadora de fraudes fiscais. Desde o início, fica claro que o ponto forte de Maxine é a capacidade de encontrar padrões –o que não surpreende, sendo ela o eixo principal da miscelânea.
Na primavera de 2001, ela passa a investigar uma empresa de informática que não só não faliu como parece crescer. Tudo aponta para algum tipo de fraude que pode não ser tão simples quanto a evasão fiscal.
Em "Submundo", a Nova York de DeLillo é a cidade contemplada sem pressa, cada detalhe inventariado e examinado para que se extraia tanto o substrato da vida cotidiana quanto o que Henry Miller chamou, em "Sexus", de "algarismos manipulados por mãos invisíveis num cálculo que não nos diz respeito".
Já a Nova York de Pynchon em "O Último Grito", embora se possa extrair dela o mesmo que se pode extrair da de DeLillo, é mais frenética –para usar uma adaptação do termo de Wood, mais histérica.
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Pynchon entrega rápidos vislumbres de sentido, quase todos descritos com o senso de humor peculiar do autor. É preciso muita atenção para enxergar o que ele se dispõe a registrar.
O descompasso se deve à evidente diferença de estilo entre os autores, mas também a um fato nada desprezível: os dois livros foram escritos, respectivamente, antes e depois do 9/11. No caso de "O Último Grito", essa é mais uma das chaves da trama.
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