Filmes e série abordam o rancor do eleitor de Trump e da extrema direita
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Cena do filme 'Roubo em Família' |
Evangélicos radicais do Texas, operários de fábricas da Carolina do Norte, strippers do Missouri e "junkies" do Wyoming despontam de casebres, trailers degradados, postos de gasolina e motéis de beira de estrada.
Longe da Los Angeles colorida de "La La Land" ou da Nova York pulsante de "Homem-Aranha", Hollywood se debruça sobre o eleitor-chave de Donald Trump: o "red neck", termo pejorativo que designa os brancos despossuídos das franjas da América.
Diretor de "Traffic" e "Onze Homens e um Segredo", Steven Soderbergh escala alguns desses tipos em "Roubo em Família", filme sobre irmãos do universo proletário que resolvem armar um assalto durante a corrida Nascar.
Ao jornal "The New York Times", o diretor disse ter topado dirigir o projeto por causa dos personagens vindos da classe trabalhadora. "O truque é usar estereótipos para montar o quadro e, com sorte, surpreender as pessoas mais tarde", afirmou.
Channing Tatum, Adam Driver, Katie Holmes e Daniel Craig forçam o arrastado e anasalado sotaque sulista nessa trama ambientada na Carolina do Norte, Estado vizinho à Georgia natal de Soderbergh. No Brasil, o longa estreará em 12 de outubro.
"Discreet", de Travis Mathews, foi um dos primeiros longas a capturarem o rancor difuso do branco interiorano, ira que galvanizou a vitória do presidente republicano.
Embora o filme não faça referências diretas a Trump -foi rodado antes de sua vitória-, ele capta as forças em jogo às vésperas do pleito.
Ali, o discurso de ódio da "alt-right", a mesma extrema direita por trás de protestos como o de Charlottesville, ecoa pelas ondas de uma rádio no Texas, pregando violência contra os não brancos.
"É o espírito da época e de um país que caminha para o totalitarismo", diz Mathews à Folha. Ao lançar o longa, no último Festival de Berlim, em fevereiro, o diretor disse esperar que a obra funcionasse como uma "arma política".
O título do filme ("discreto") é jargão usado no mundo LGBTQ para se referir a gays no armário, como alguns dos texanos com quem o protagonista faz sexo anônimo.
'ESCÓRIA BRANCA'
Outro bastião de brancos conservadores é explorado na série "Ozark", disponível na Netflix, sobre uma família que, ameaçada por dívidas com o narcotráfico, se esconde nos confins do Missouri.
O título da série indica a região de montanhas e florestas que é epítome dos "hillbillies", outro rótulo depreciativo para designar os caipiras americanos. Na obra, são retratados como preconceituosos e atrasados, traços do "clichês do 'white trash'" (a escória branca), segundo a crítica.
A mesma região, de forte influência neopentecostal, é o enclave miserável tratado no filme "Inverno da Alma" (2010), que fez deslanchar a carreira de Jennifer Lawrence.
O retrato pouco amigável da população interiorana se repete em "Terra Selvagem", de Taylor Sheridan. No longa, que estreará neste semestre no Brasil, o assassinato de uma nativa numa reserva indígena do Wyoming, no Meio-Oeste, leva a polícia a cruzar com operários brancos da extração de petróleo devastados pela metanfetamina.
Sheridan é também roteirista de "A Qualquer Custo" (2016), indicado ao Oscar neste ano, que trata de dois irmãos que assaltam bancos movidos não por circunstâncias econômicas, mas por um rancoroso justiçamento.
O cineasta diz que ambos os longas são parte de sua "trilogia da fronteira", uma atualização do gênero do western em que tensões raciais e sociais são sempre presentes.
"Somos uma nação tão jovem e temos tanto para aprender sobre nós mesmos. Aprender sobre como nos tornamos uma nação e como expandimos é um bom começo", disse Sheridan ao site "Parade".
'CAIXA DE PANDORA'
As mesmas tensões raciais que permeiam a atual polarização da sociedade americana estão no centro de "Beatriz at Dinner", do portorriquenho Miguel Arteta, ainda sem data de estreia no Brasil.
O que muda nele é que os brancos ressentidos não são interioranos chucros, mas ricaços californianos que não seguram a língua na hora de disparar comentários racistas.
Salma Hayek interpreta Beatriz, terapeuta holística de origem mexicana convidada a jantar na mansão de sua cliente com os convidados dela, típicos representantes da sigla "wasp" -brancos, anglo-saxônicos e protestantes.
Entre um vinho e outro, as farpas de uma refeição indigesta: Beatriz é confundida com uma empregada da casa e tem de responder se migrou legalmente. No outro polo, o magnata Doug (John Lightgow) caça animais selvagens na África por esporte e crê que o que o mundo precisa mesmo é de empregos. E só.
Racismo e elitismo também temperam "O Jantar", de Oren Moverman, que deve chegar aos cinemas brasileiros na próxima quinta (7).
Richard Gere e Steve Coogan são dois irmãos endinheirados que precisam decidir o que fazer depois que os filhos de ambos cometem um crime contra uma moradora de rua. A discussão resvala nas feridas herdadas da Guerra Civil americana, uma das propulsoras do rancor branco ali.
Em entrevista à Folha, Gere não atribui a Trump a culpa pelo ódio no país. "Mas ele fez com que isso fosse algo ok. Abriu a caixa de Pandora."
Roteiristas de humor, Jack Bernhardt tem um palpite excêntrico sobre o filme que melhor representa a Era Trump. Segundo texto de opinião que ele escreveu para o britânico "The Guardian", o título pertence à comédia rasteira "Virei um Gato". No filme, Kevin Spacey é um empreiteiro rico e narcisista forçado a ficar mais humilde depois de ficar preso no corpo de um felino.
"Não é sobre Trump, é para ele", escreve Bernhardt. "É uma menagem que apela a ele com piadas sobre legislação de arranha-céus, ex-mulheres e bilionários que todos inexplicavelmente amam."
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PESCOÇO VERMELHO
Onde se passam as produções e o perfil eleitoral nas regiões
'Beatriz at Dinner'
Uma terapeuta de origem mexicana é afrontada por brancos milionários numa mansão na tradicionalmente liberal Califórnia, onde o republicano teve só um terço dos votos. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil
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Cena do filme 'Beatriz at Dinner' |
'Terra Selvagem'
A morte de uma nativa leva a polícia a operários de um campo de extração de petróleo no centro do Wyoming, onde Trump teve até 40 pontos percentuais a mais do que Hillary. Estreia ainda neste semestre no Brasil
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Cena do filme 'Terra Selvagem' |
'Discreet'
Discursos de ódio da extrema direita ecoam na rádio que o protagonista escuta, no oeste do Texas. Trump chegou a vencer com até 94% dos votos em distritos da região. O filme passará no Festival do Rio, em outubro
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Cena do filme 'Discreet' |
'Ozark'
Para fugir de uma dívida com o tráfico, família vai para região no Missouri marcada por conservadorismo religioso onde o presidente contou com até 80% dos votos. A série está na Netflix
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Cena da série 'Ozark' |
'Roubo em Família'
Na Carolina do Norte, irmãos oriundos da classe proletária planejam fazer um roubo numa pista de corrida da Nascar. Na região em que se passa o filme, que estreia em 12/10, Trump teve 63% dos votos
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Cena do filme 'Roubo em Família' |
'O Jantar'
Elitismo e racismo são temas que temperam o longa, que estreia em 7/9. A trama alude às chagas da Guerra Civil. Em Gettysburg, Pensilvânia, onde parte do filme se passa, o presidente venceu com 65% dos votos
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Cena do filme 'O Jantar' |
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