THE UNDERGROUND RAILROAD (muito bom)
AUTOR Colson Whitehead
TRADUÇÃO Caroline Chang
EDITORA HarperCollins
QUANTO R$ 44,90 (320 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom * * * *
Em "From Slavery to Freedom: A History of Negro American", Hope Franklin e Moss Jr. lembram que há duas "ferrovias subterrâneas" na história do escravismo dos EUA.
A primeira foi estabelecida por traficantes para introduzir mais pretos na escravidão (a venda clandestina seguiu no país quando já tinha cessado aqui —e, nos anos 1850-60, o porto de Nova York vendia negros ao Brasil e a Cuba).
A segunda "underground railroad" não era uma estrada de ferro, mas uma rede secreta abolicionista que ajudava pretos a escapar da escravidão sulista para o norte dos EUA e o Canadá.
É dessa que trata o romance "Underground Railroad: Os Caminhos para a Liberdade", de Colson Whitehead.
Acompanhamos aí a peripécia da escrava Cora (cujos avós foram vendidos aos brancos por traficantes negros do Daomé) em busca da liberdade. E o livro fascina.
Para ficar só na literatura americana desse último meio século, o autor pode não ter o poder textual de John Williams, a alta competência construtiva de Roth, a criatividade encrespada de Foster Wallace ou a densidade de Franzen. Mas fez um belo trabalho.
Conceitualmente, sua virtude central é se manter imune ao maniqueísmo —estreiteza em que se comprazem hoje, no Brasil, os chamados "profissionais da negritude", aos olhos dos quais mesmo um poço de ambiguidade e ressentimento, como o extraordinário Machado de Assis, se converte em encarnação verocêntrica de herói racial.
Whitehead é implacável ao retratar crueldades dos senhores brancos. Mas nada simplório. O jogo entre escravos pode ser sujo. Cora é estuprada por colegas de cativeiro.
Note-se ainda que o livro, embora 'afro', não traz uma sílaba sobre religiões negras: o poder puritano branco liquidou os deuses africanos nos EUA. Igreja metodista, sim —candomblé, não.
De outra parte, temos a virtude escritural: qualidade narrativa, força e acurácia descritivas, num livro inteligente e muito bem estruturado.
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Por isso, é apenas tola a obsessão midiática em apresentar o autor, antes de mais nada, como vencedor do Pulitzer, que já vendeu não sei quantos milhares de livros. Mentalidade de mercado. Sociologicamente, diz alguma coisa. Esteticamente, nada.
Felizmente, Colson Whitehead não é apenas um mero ganhador de prêmios ou vendedor de livros. É um escritor.
ANTONIO RISÉRIO é antropólogo, ensaísta e romancista, autor de "Que Você É Esse?" (Record)
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