'Corpo e Alma', falso filme simples, se impõe com força de obra rara
Divulgação | ||
A atriz tcheca Alexandra Borbély em cena do filme 'Corpo e Alma' |
CORPO E ALMA (ótimo)
(Teströl és lélekröl)
DIREÇÃO Ildikó Enyedi
ELENCO Géza Morcsányi, Alexandra Borbély
PRODUÇÃO Hungria, 2017, 16 anos
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Quem olha? O que vê?
Essas duas questões que acompanham desde sempre o cinema e sua matriz narrativa composta de pontos de vista são evocadas nas primeiras imagens de "Corpo e Alma".
Um casal de cervos percorre uma floresta sob a neve. O macho se detém, observa a fêmea, a fareja e segue adiante. Em outro ambiente aparecem detalhes de patas e de cabeças de bois, um deles se aproxima da grade e olha. O que vemos dali são partes do corpo de um homem uniformizado, com um cigarro à mão.
Em seguida, surge a luz do sol dissipando-se através do céu nublado. Só nesse instante vê-se alguém observar o brilho opaco, levando-nos a criar nexos, a supor analogias.
Não há, porém, nenhum desperdício de metáforas nessa sucessão, apenas uma apresentação de elementos que ressurgem ao longo de uma história de amor insólita.
A diretora húngara Ildikó Enyedi foi captada pelo radar cinéfilo no final dos anos 1980, com seu formidável "O Meu Século 20", mas depois tornou-se rara. A conquista do Urso de Ouro de melhor filme e do prêmio da crítica no último Festival de Berlim ajuda a despertar o interesse para seu estilo incomum.
A originalidade do trabalho de Enyedi em "Corpo e Alma" evidencia-se no modo como articula fragmentos, estimulando o espectador desatento de hoje a ser coautor da narrativa.
No centro da história estão dois portadores de deficiências. Endre, que tem o braço esquerdo paralisado em consequência de um AVC, e Maria, que por excesso de sensibilidade não consegue estabelecer contatos humanos.
Ambos trabalham num matadouro, espaço associado a vísceras e sangue, mas que Enyedi mostra como um lugar asséptico, destituído de vida.
O interesse sexual do par encontra obstáculo nas limitações físicas e psíquicas de cada um. É por meio do olhar, portanto, que o desejo e a sedução entre eles se impõe. Um modo de ver que, como o cinema, nunca abarca tudo, só fragmentos, pontos de vista.
Essa restrição não tem nada de negativo, pois é dela que se abrem as janelas da imaginação, do sonho e das outras formas de devaneio. O cinema tira proveito dessa parcialidade para nos convidar à fantasia.
"Corpo e Alma" é um falso filme simples. Ao final da sessão, ele começa de fato, reverberando e impondo-se com uma força que só objetos raros possuem.
Assista ao trailer de 'Corpo e Alma'
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