Em Belém, carimbó se renova ao dialogar com novos ritmos e arranjos

Crédito: Tarso Sarraf/Folhapress Show da banda Filhos de Maiandeua, no Espaço Cultural Apoena, em Belém; banda vem da ilha de Algodoal, a 133 quilômetros da capital paraense
Show da banda Filhos de Maiandeua, no Espaço Cultural Apoena, em Belém; banda vem da ilha de Algodoal, a 133 quilômetros da capital paraense

MOISÉS SARRAF
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BELÉM

Os sucessos da cantora paraense Dona Onete, 77, que este ano chegaram a compor a trilha sonora da novela "A Força do Querer", da Rede Globo, são parte da renovação do carimbó, ritmo tradicional amazônico.

Ao lado dela, o também paraense Pinduca, 80, foi indicado ao Grammy Latino de "Melhor Álbum de Música de Raízes Brasileiras" neste ano.

A abertura de palcos ao gênero e as reinterpretações do carimbó fazem parte da nova cena musical de Belém.

Dona Onete, carimbozeira de Igarapé-Miri, município a 77 km da capital, é a cara desse renascimento.

Com o que chama de "carimbó chamegado", a rainha do mercado do Ver-o-Peso construiu uma carreira que a levou a uma agenda de shows no Brasil e no exterior.

Seu principal sucesso é "No Meio do Pitiú", do segundo disco, "Banzeiro" -o clipe teve 2,6 milhões de visualizações no YouTube. Na novela, Dona Onete emplacou a música "Boto Namorador".

"Já cantei na Europa, passei por cinco países recentemente. Fomos à terra da Shakira, depois demos uma volta pela Guiana Francesa", se diverte ela, que é professora aposentada e se dedicou à música apenas aos 72 anos.

O carimbó é uma manifestação que une festa à prática religiosa -ritmo africano com influências europeia e indígena. Os primeiros registros datam do século 17, segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Em 2014, ganhou o título de patrimônio imaterial nacional. A pesquisa para obter o título mapeou cerca de 200 grupos de carimbó em atividade no Pará.

"O carimbó é uma das expressões que não tinham espaço. Só tocava em festivais bancados pelos governos", afirma Anderson Moura, do Espaço Cultural Apoena.

No início, conta, foi como dar "murro em ponta de faca" pra formar público. A casa tem lotação de 150 pessoas, com ingressos de no máximo R$ 20. "Mapeamos grupos e artistas do interior e abrimos o palco para eles."

CARIMBÓ FRENÉTICO

No mapa do Iphan, estava o Filhos de Maiandeua, da ilha de Algodoal, de Maracanã (PA), a 133 km da capital.

"Um dos nossos mestres nos trouxe de volta ao carimbó", conta Genelson de Souza, 30, um dos 11 membros do grupo que acelerou o ritmo e o apelidou de "carimbó frenético".

Nos anos 1990 e 2000, quando o carimbó teve pouco espaço, o Coisas de Negro foi o reduto do ritmo. A casa, que se mantém de pé até hoje com festas semanais, foi referência para os novos grupos.

"Conheci um grupo de carimbó autoral. No primeiro dia, tocamos para quatro pessoas", lembra o criador do espaço, Nêgo Ray -ou mestre Ray, um título conferido aos carimbozeiros que são referência em suas comunidades.

O proprietário do bar acaba de lançar um disco, junto à mestra Nazaré do Ó e ao mestre Lourival Igarapé.

O trio se uniu à banda "Lauvaite Penoso" para compor o álbum "Bença", projeto que cria um diálogo entre novos artistas e mestres da cultura popular.

"O baterista veio do rock, o vocalista tinha pegada do hip hop. Não é o carimbó tradicional", diz Vitor Gonçalves, baixista e produtor, que circula na cena alternativa de Belém desde 2009.

"A Nazaré do Ó tinha uma visão tradicional, não queria que as músicas saíssem do pau e corda [modalidade tradicional do carimbó]", diz Vitor. "O Ray já aceitava uma guitarra distorcida. Aí procuramos um caminho agradável para os dois lados."

O percussionista Sérgio Krakowski também se interessou pelo gênero musical e apresentou, em Belém, o projeto Carimbó Multi-Mídia, que uniu o batuque a elementos do jazz contemporâneo.

Krakowski mora em Nova York há quatro anos. "Nunca vou esquecer o impacto que senti quando ouvi a percussão, os curimbós [tambores] e as maracás tocando incessantemente."

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