Biografia revela vida financeira de Proust, que queria investir em Belém

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Crédito: Hulton Archive/Getty Images Marcel Proust fotografado por volta de 1910
Marcel Proust fotografado por volta de 1910

FILLIPE MAURO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Poucos escritores têm biógrafos tão insaciáveis quanto Marcel Proust (1871-1922).

Entre estudos sobre a botânica de "Em Busca do Tempo Perdido" e reuniões de cartas curiosas, um livro recente destrincha a desregrada vida financeira do escritor e esclarece seus conturbados meios de sobrevivência.

Trata-se de "Proust and His Banker: In Search of Time Squandered" (Proust e seu banqueiro: em busca do tempo esbanjado), do economista Gian Balsamo.

Até pouco tempo, dizia-se apenas o superficial sobre as economias de Proust. Que era um rico rentista, que herdara aplicações financeiras de sua família ou mesmo que, nas palavras de Jean-Paul Sartre, não passava de um "burguês rico e ocioso".

O estudo de Balsamo, entretanto, coloca em xeque essa perspectiva. Com base em mais de 350 cartas trocadas entre Proust e seu primo, o corretor financeiro Lionel Hauser, ele foi capaz de demonstrar, por exemplo, como o escritor praticamente foi à falência e se submeteu às mais rigorosas restrições.

Em entrevista à Folha, Balsamo conta que "no final de 1915, em relação a 1907, o patrimônio de Proust perdeu 58% de seu valor, e sua solvência passou cada vez mais a depender de trocados".

A causa, segundo o pesquisador, foram investimentos de risco, e Hauser teria proposto uma solução radical: "Vender vários dos títulos de Proust para encolher seu capital e, assim, amortizar dívidas e juros passivos".

O endividamento teria sido tão traumático para Proust que produziu ecos até mesmo em certas cenas de "Em Busca do Tempo Perdido".

Balsamo lembra que, no volume "A Prisioneira", o narrador recebe a notícia de que suas economias estão em frangalhos devido aos excessos com a amada Albertine.

Para evitar um colapso, o herói Marcel decide vender algo em torno de três quartos da herança que recebera de sua avó –quase a mesma solução apresentada ao autor pelo banqueiro Hauser.

Episódios como esse confirmariam "os elementos fortemente biográficos por trás dos detalhes financeiros" do romance, afirma Balsamo.

DIREITOS AUTORAIS

Sempre se soube que o patrimônio de Proust era familiar e que sua obra jamais lhe rendera muito dinheiro.

Balsamo lembra que o escritor pagou pela publicação de parte de sua obra e que os ganhos com as crônicas sociais que publicava na imprensa eram "irrisórios".

"Proust começou de fato a ganhar um pouco de dinheiro com os direitos autorais de 'Em Busca do Tempo Perdido' poucos anos antes de sua morte", diz. "Acredito que, se tivesse vivido um pouco mais, seu romance o teria feito muito mais rico do que era."

Além de lançar luz sobre a biografia e a escrita de Proust, o livro também revela curiosidades anedóticas sobre seu perfil de investimento.

O francês seria apaixonado por carteiras de risco e aplicações, no dizer de Balsamo, "exóticas".

Pensava-se, por exemplo, que a única ligação de Proust com o Brasil era o personagem estereotipado de um médico que, em "O Caminho de Guermantes", pretende curar o narrador de suas crises asmáticas com "absurdas inalações de essências vegetais".

Mas suas extravagâncias o levaram a adquirir títulos do Tesouro Nacional em 1908 e, em 1913, quis trocá-los por notas da dívida pública do Estado de São Paulo.

No ano de 1909, também quis investir 14 mil francos (pouco mais de 50 mil euros ou R$ 190 mil de hoje) em valores mobiliários do Porto do Pará (atual Porto de Belém).

Hauser, porém, julgou seus planos muito arriscados ("não são investimentos que um pai de família faria", disse) e convenceu-o a alocar o montante em títulos mais seguros, do banco francês Crédit Industriel, atual CIC.

À parte causos e histórias inusitadas, Balsamo acredita que a grande conclusão da quebra de sigilo bancário de Proust sejam os grandes "apertos" pelos quais o autor passou em busca da "miragem de um amor incondicionalmente correspondido, sempre regada a presentes caros e várias gratuidades".

Uma procura que, segundo o pesquisador, também está no espírito do narrador de "Em Busca do Tempo Perdido" –sempre "acometido pela doença do ciúme, desejando aquilo que não possui".

Um dos casos mais notórios é a atração de Proust por seu secretário e motorista, Alfred Agostinelli, tido como um dos vários modelos para Albertine. A fim de manter Agostinelli ao seu lado, Proust adquiriu o hábito de oferecer uma série de presentes caros, que custaram boa parte de seu patrimônio.

Foi Agostinelli quem dirigiu pela primeira vez o automóvel adquirido por Proust em 1907, na viagem que deu origem ao artigo "Impressions de route en automobile" (Impressões de viagem em automóvel), publicado naquele ano no jornal "Le Figaro".

Mais tarde, quando o motorista se matriculou em uma escola de aviação sob o pseudônimo Marcel Swann, Proust chegou a lhe oferecer um aeroplano no valor de 27 mil francos (pouco mais de R$ 360 mil), no qual mandaria gravar o verso "o virgem, o vivaz e o belo hoje", de Stéphane Mallarmé.

Mas, no dia em que enviou uma carta a Agostinelli revelando a surpresa, o piloto morreu em um acidente aéreo sobre o Mediterrâneo.

Segundo Balsamo, mais que um esnobe, os bolsos de Proust revelariam "o papel do ciúme na vida de um grande artista".

PROUST AND HIS BANKER
AUTOR Gian Balsamo
EDITORA University of South Carolina Press
QUANTO R$ 154,90 (272 págs., sob encomenda na Cultura) ou R$ 126,52 (e-book)

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