FRANCESCA ANGIOLILLO
EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

Em 2004, Carlos Heitor Cony e Anna Lee levaram o segundo lugar do Prêmio Jabuti de livro-reportagem com "O Beijo da Morte".

A obra, que tem um fio condutor ficcional na figura do personagem do Repórter, fazia uma investigação sobre as mortes aparentemente naturais ou acidentais de João Goulart (1918-1976), Juscelino Kubitschek (1902-1976) e Carlos Lacerda (1914-1977).

Ainda em 2018, o livro, que saiu em 2003 pela Objetiva, terá edição ampliada pela Nova Fronteira, sob o título "Operação Condor" —nome da ação coordenada entre governos militares do Cone Sul, com apoio dos Estados Unidos.

Memória
Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio

Em 19 de julho de 2013, Cony rememorava, em sua coluna na Folha, o nascimento do livro, dizendo que fora instigado pela percepção de Anna Lee de que havia, em artigos dele à época publicados na revista "Manchete", material para dar ímpeto a um livro.

"Estudei em uma época que não se contava essa parte da história", conta à Folha a escritora e jornalista, parceira de Cony também em livros infantojuvenis.

"Era uma coisa muito distante que eu queria saber. Quando tive contato com o Cony, que participou disso tudo, falei que ele devia me contar essa história e contar para minha geração, porque não está nos livros. Tudo foi feito no sentido de legado."

A dupla entrevistou mais de 50 pessoas para a obra.

"Não chegamos a nenhuma conclusão historicamente final, mas levantamos todas as hipóteses que cercaram o desaparecimento, em pouquíssimos meses, das nossas lideranças mais expressivas: Lacerda, pela direita, Jango, pela esquerda, e Juscelino, pelo centro", escreveu Cony, em 17 de novembro de 2013.

Lee, que está finalizando o novo original, explica as diferenças do novo livro em relação ao publicado em 2003.

"'Ensanduichamos' o primeiro livro nessa nova versão. Tem uma primeira parte, que já está escrita, que traz a Verônica, nome em homenagem à filha do Cony, que no livro é o nome da companheira do Repórter", conta.

Da primeira parte vem o trecho inédito ao lado, cedido com exclusividade à Folha.

A narradora, diz Lee, "quer trazer a história da exumação do Jango e assim reviver o trabalho do seu companheiro".

A exumação do corpo do presidente derrubado pelos militares ocorreu em 2013, e, a partir dela, Lee foi a campo colher novas informações.

"O Cony ficou com toda a parte do Juscelino" —o escritor conviveu com o ex-presidente e finalizou seu livro de memórias, publicado pela Manchete. Lee, conta, se encarregou de João Goulart —"refiz o último caminho que ele fez". "Sobre o Lacerda, nós dividimos o trabalho."

A segunda parte do livro está a cargo dela agora, que, diz, espera "honrar Cony".

LEIA TRECHO DA REEDIÇÃO DE "OPERAÇÃO CONDOR"

Cedo compreendi que a dor é da ordem do indizível. A dor de cada um é tão individual que não faz sentido tentar explicá-la para quem não foi dilacerado. A alto custo, luto diariamente contra a natureza. A vida me exige esforço para sobreviver. Por mais que consiga esconder minha condição de sobrevivente, ela está lá, presente nas minhas entranhas, e sei que, de alguma forma, em algum momento, vai se mostrar. Meu DNA foi marcado a ferro quente, nunca duvidei que a minha solidão seria transmitida a meus descendentes, por herança ou por influência.

Nem antes, nem depois do Repórter consegui ter uma relação estável de afeto ou de sexo com um homem. Tinha medo de que as coisas fossem adiante e que a consequência viesse na forma de um filho. Com ele foi diferente. Quando o vi pela primeira vez, na festa de um amigo em comum, soube que eu tinha suportado tudo até ali por causa desse encontro. E entendi o porquê de ter cedido aos "apelos" de meu amigo e aceitado o convite.

Como o Repórter escreveria mais tarde, éramos dois náufragos, e os náufragos, mesmo que se detestem, encontram um motivo comum para se agarrarem à mesma tábua. Não nos detestamos, nos amamos. Eu tinha 23 anos, ele, 45, estava recém-separado, a mulher e as duas filhas o tinham abandonado. A sua vida profissional estava em decadência. Ele, que já fora repórter especial e também chefe de redação, caíra na vala comum do noticiário miúdo, não era mais levado a sério, carregava o estigma do jornalista de um assunto único: era obcecado por provar que as mortes de Juscelino Kubistchek, João Goulart e Carlos Lacerda, no espaço de nove meses, foram praticadas pela Operação Condor, que atuou como varredura da subversão no Cone Sul.

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