Música está dominada por autogestão, afirma ex-presidente de gravadoras

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Crédito: Leonardo Wen/Folhapress Marcelo Castello Branco, CEO da UBC (União Brasileira de Compositores) e ex-presidente de gravadoras
Marcelo Castello Branco, CEO da União Brasileira de Compositores e ex-presidente de gravadoras

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

Após mais de uma década de pessimismo, o mercado da música está novamente excitado e excitante: os artistas assumiram as rédeas de suas carreiras depois que as gravadoras as largaram, o consumo digital via streaming só cresce, o ambiente é propício para a criatividade, tanto artística quanto empresarial.

Essa é a visão de alguém que vive nesse universo há mais de três décadas: Marcelo Castello Branco, 57.

Ex-presidente da Universal Music (1997-2006) e da EMI (2007-2010), com passagens também pela Polygram e pela Sony, o carioca é, desde janeiro de 2016, o CEO da União Brasileira dos Compositores (UBC), a maior das sociedades musicais do país.

Com cerca de 25 mil afiliados no país –entre eles Caetano, Gil, Anitta e Luan Santana–, a UBC detém a maior fatia (55%) do dinheiro de direitos autorais distribuído pelo Ecad, baseado na execução pública das canções.

Em conversa com a Folha em seu escritório, no centro do Rio, no final de dezembro, Castello Branco falou sobre como a autogestão dos artistas é a regra do mercado, o que tem seus prós (maior autonomia e entendimento do negócio) e contras (menos tempo para a criação).

Também defendeu que a remuneração pelas execuções digitais precisa ser mais justa, mas que primeiro é preciso deixar o bolo crescer.

Folha - Qual o estado atual do mercado da música no Brasil?

Marcelo Castello Branco - É o melhor momento desde o surgimento da internet. Esses 10, 15 anos de incerteza, de reinvenção estão ficando mais claros. O mercado voltou a ser mais excitante. No século 20, era muito concentrado, agora é de muitos protagonistas. Você tem o mercado da editora, do autor, do artista, do agregador, da gravadora. São centenas de modelos de negócio que estão se testando.

Mas o dinheiro ainda não está concentrado em poucos?

Muito menos do que era. Do ponto de vista das gravadoras, é praticamente meio a meio [independentes x majors]. É também um mercado de autogestão. Esse ainda é um processo de aprendizado. Quando a internet surgiu, prometeu uma gratuidade e um retorno que não entregou. Até você transformar essa euforia da gratuidade num mercado que possa remunerar toda a cadeia da música demora muito.

O streaming responde por quanto do mercado hoje?

Mais de 85% do mercado brasileiro. Esse [2017] foi o ano em que o streaming realmente decolou. O Brasil tem cerca de 6 milhões de assinantes pagos de música, dos quais 4 milhões estão no Spotify e menos de 2 milhões pulverizados nos outros serviços. Se houver um crescimento irracional dessa curva, e o Brasil é assim, você pode pensar que teremos 15, 20 milhões em um ano e meio. Até porque é barato e fácil assinar um serviço de música.

Mas o negócio do streaming ainda não é sustentável. O Spotify dá prejuízo.

Em todo negócio, você tem um período em que estima que vai perder dinheiro. Quando o Spotify tiver 1 bilhão de assinantes, o que não é inimaginável, vai ser rentável [em julho, a empresa anunciou ter 60 milhões]. Até porque vai desenvolver negócios colaterais, vai migrar para o audiovisual, produzir conteúdo. O streaming lucrativo hoje é o audiovisual, o modelo é a Netflix: você não só distribuiu mas produz. Vai acontecer isso no mercado da música.

O número de lançamentos de discos nacionais sofreu um baque com o declínio das gravadoras. Como está hoje?

Nos anos 90 e na década passada, as gravadoras eram essencialmente produtoras. Na Universal, a gente chegou a lançar 150, 200 discos por ano, a verba de produção era muito grande. Esse mercado foi completamente transformado, hoje é de distribuição. Mas a produção [geral] não caiu, só a das grandes gravadoras. Todo mundo está se produzindo.

Numa sociedade como a UBC, o artista, quando se filia, é como autor, músico, intérprete e produtor. Além disso, ele se autopromove, trabalha seu disco nas redes, faz tudo. É um mercado completamente dominado pela autogestão. Esse é o grande desafio: o excesso de autogestão pode comprometer a criação.

Por quê?

Porque você tem menos tempo de criação. E, em algum momento, confunde a promoção com a própria criação. O que muda a vida de um artista é uma grande canção, independentemente da promoção dela. Uma grande canção tem um poder avassalador, desafia qualquer lógica de marketing.

Essa tendência vai se reequilibrar, mas não vai mudar radicalmente. Até porque é positiva, provocou maior engajamento e entendimento do mercado. Tem mais gente mobilizada, e isso vai levar não só a negócios, mas a um momento criativo favorável. Foi o que aconteceu no sertanejo: o que o atualizou foi o movimento de autoras e intérpretes mulheres, havia uma demanda latente. Hoje você tem uma profusão de cantoras, com um discurso diferente.

E isso foi espontâneo?

Muito. Marília Mendonça é uma grande autora e intérprete e completamente espontânea. As coisas que dão certo na música, com longevidade, surgem espontaneamente. Nada que acontece de modo premeditado, fabricado, tem chance de ser longevo, a não ser que se reinvente. Há muito talento no Brasil, e antes esses talentos tinham dificuldade de acesso [ao público]. Muita coisa era lançada, muitos não davam certo, porque é um mercado de mais erros do que acertos. Só que, na internet, o erro é muito mais barato. Você lança uma música, errou? No dia seguinte lança outra. E, se errou de novo, no dia seguinte lança outra. O mercado digital propicia a experiência, você vai testando. Felizmente, é um mercado que está novamente nervoso, inquieto.

Inclusive em termos de briga pela arrecadação na internet.

Faço parte disso na UBC, trabalhamos muito pela distribuição mais justa de direitos. O mercado só é autossustentável se houver solidariedade. É uma discussão que vem crescendo e na qual tem-se conseguido pequenas vitórias. Estamos nos últimos anos de uma necessidade de investimento e essa discussão vai continuar. É importante que todos sejam bem remunerados.

O que é ser bem remunerado?

Não dá para pensar numa remuneração como antes. Os percentuais têm outra dinâmica, que ninguém ainda dominou. A Deezer está fazendo um novo modelo de remuneração, uma boa experiência-piloto, remunera de acordo com [a quantidade de] usuários [que o artista tem]. É uma primeira e excelente experiência. Mas a solução só virá quando houver uma massa de assinantes que gere um volume que possa ser mais bem distribuído. E vai depender de bom senso de todos para que isso aconteça. Por exemplo, existe um contingente que não é remunerado no digital, que é o dos músicos. O autor também tem um grande deficit de visibilidade no digital, se você entrar no Spotify, sabe quem canta a canção, mas não quem a escreveu.

Os artistas são remunerados com justiça no meio digital?

Não, acho que não. Acho que a gente vai evoluir para isso, sou paciente. A música era a primeira cadeira na praia quando chegou o tsunami digital. O mercado editorial pôde aprender com os erros da música, o jornalístico também. Hoje, a música, que era um ecossistema limitado do ponto de vista de produção, é gigante. Por isso confio que vamos conseguir chegar a parâmetros onde todos sejam corretamente remunerados.

Quanto os autores filiados à UBC recebem, em média?

Cerca de 80% recebe um valor muito pequeno por mês, menos de R$ 100. O grande contingente da gestão coletiva é bastante desfavorecido em termos de remuneração. Esse é um mercado de altos e baixos, você tem um grande momento na sua vida e acha que ele vai se eternizar, mas não se eterniza.

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