Peça documental costura vozes de vítimas da tragédia de Mariana

Crédito: Allan Bravos/Divulgação A atriz Bruna Marquezine em festa de lançamento da novela "Deus Salve o Rei", no Rio, em novembro.
Cena de 'Hotel Mariana', que reconstitui depoimentos de vítimas da tragédia em MG

STEPHANIE RICCI
DE SÃO PAULO

"Quando viu a lama vindo, o homem não conseguiu correr. Agarrou os dois filhos, um em cada braço, e esperou. A força da onda quebrou as pernas dele e sua filha, de 4 anos, escapou. Quando a encontraram, a menina já não respirava."

Pouco mais de dois anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais, que culminou no maior desastre socioambiental do país, somando 19 mortos e 1,5 mil hectares de vegetação destruídos, a peça documental "Hotel Mariana" começa sua segunda temporada nesta sexta-feira (12).

Idealizada pelo ator e dramaturgo Munir Pedrosa e dirigida por Herbert Bianchi, a obra expõe relatos de sobreviventes da tragédia que, na ficção, se encontram num hotel após perderem suas casas.

Pedrosa conta que viajou à região uma semana após o rompimento, "com um gravador de mão, comida e água". "Fiquei lá nove dias e conversei com 40 vítimas de Bento Rodrigues e Paracatu. Recebi um panorama cultural, histórico e político da região muito grande daquelas pessoas. Saí de lá com mais de 12 horas de áudio."

A montagem se utiliza de uma técnica inglesa denominada verbatim. Portando fones de ouvido no palco, os atores escutam, ao vivo, as gravações de áudio dos depoentes e as repetem em cena, reinterpretando o que escutam. Pela sua dramaturgia, a peça está indicada ao Prêmio Shell de Teatro.

"Nós ouvimos tudo, transcrevemos exatamente como as pessoas falaram e começamos a recortar e a montar os diálogos. Em dois meses de trabalho diário encaixamos todo esse material numa estrutura clássica", diz Bianchi.

Entre os dez relatos da narrativa, está o de um senhor da folia de reis, o de uma aposentada que escrevia poemas, o de uma criança e o de uma mãe que perdeu seus filhos.

"Um depoimento puxava o outro. Eu cheguei sem saber com quem falar, então, quando alguém me contava algo que envolvia fulano, eu procurava essa pessoa pra ter mais pontos de vista", conta Pedrosa. "Nós conseguimos cruzar as declarações e criamos interlocuções e até diálogos entre os depoentes."

Em novembro passado, quando a tragédia completou dois anos, o dramaturgo retornou a Mariana com uma câmera de vídeo para entrevistar mais uma vez os sobreviventes que encontrou em 2015.

O objetivo era expandir a peça para o formato de um documentário dramático, já em fase de produção, que misturará atores interpretando os testemunhos, pela técnica verbatim, e entrevistas filmadas com as vítimas reais.

"Nessa segunda viagem eu encontrei aquelas pessoas, que viviam e trabalhavam na roça, morando em apartamentos e em subsolos, sem ver a luz do dia. Elas abrem a boca e choram, tomam remédio psiquiátrico. Faz dois anos e muita gente já esqueceu, mas aquelas pessoas não. Por isso fizemos a peça e por isso vou fazer o filme, essa história não acabou e não vai morrer tão cedo."

HOTEL MARIANA
QUANDO sex., às 20h30, sáb., às 18h; até 3/2
ONDE Sesc Vila Mariana - auditório, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO R$ 6 a R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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