Apontado como 'premonitório' sobre Trump, livro ficou datado

Crédito: Saul Loeb/AFP O presidente dos EUA, Donald Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump

CAMILA VON HOLDEFER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

NÃO VAI ACONTECER AQUI *
QUANTO: R$ 54,90 (408 PÁGS.)
AUTOR: SINCLAIR LEWIS
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS
TRADUÇÃO: CÁSSIO DE ARANTES LEITE

"Não Vai Acontecer Aqui" foi resgatado do limbo da indiferença por um motivo curioso: o romance de Sinclair Lewis (1885-1951) teria antecipado o governo de Donald Trump.

Ambientado na segunda metade da década de 1930, o livro retrata a ascensão do candidato à presidência Berzelius "Buzz" Windrip. Os avanços e manobras de Buzz são filtrados, na maior parte do tempo, pelo olhar do jornalista Doremus Jessup, de Vermont.

Desde o início, Jessup se opõe àquilo que Buzz Windrip representa. Em 1936, durante a campanha, Buzz se mostra um homem banal, "dotado de cada preconceito e aspiração do Americano Comum". Talvez por isso o tenham relacionado a Donald Trump.

Há uma ambivalência ideológica na qual o livro se equilibra. Democrata, Buzz Windrip pode parecer uma das piores crias do partido Republicano. Algumas de suas propostas têm inspiração marxista, enquanto outras parecem antecipar o Macartismo.

O populismo de Buzz não tarda a revelar os piores contornos fascistas -o que inclui o uso de uma força paramilitar.

O livro começa razoavelmente bem, com a descrição de um jantar cheio de figuras caricatas por um narrador cínico (ainda que um tanto deslocado).

Não demora para a narrativa perder qualquer ritmo e vigor. A condução da trama é medonha. Os artifícios são dos mais toscos, como os raios e trovões que antecedem o anúncio da candidatura de Windrip.

O livro, uma distopia escrita em 1935, tentou imaginar um futuro próximo, como Michel Houellebecq fez em "Submissão", cuja trama se passa nos anos 2020.

É por isso, também, que o romance difere de "Complô Contra a América", de Philip Roth, um livro construído em retrospecto em que o autor altera deliberadamente o passado. Ao contrário desses dois, "Não Vai Acontecer Aqui" é uma peça achatada e datada.

Além dos defeitos mais básicos da narrativa, Lewis não vai além do presente histórico, em uma sucessão de dados, nomes e conceitos repetidos à exaustão. É um livro congelado numa época.

Não Vai Acontecer Aqui
Sinclair Lewis
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O governo Trump pode ter - e tem - muitos defeitos, mas há pouco ou nada no livro de Lewis que sugira uma comparação mais direta. Só com muita imaginação.

Primeiro norte-americano a receber o Nobel de Literatura, em 1930, Lewis foi uma escolha controversa. Uma controvérsia que o tempo só fez acentuar.

Como peça premonitória -e ter de sublinhar esse fato não deixa de ser engraçado-, o livro de Sinclair Lewis decepciona. Como literatura, decepciona ainda mais.

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