Quero que acreditem em mim, diz filha adotiva de Woody Allen sobre abuso

Crédito: Reprodução Dylan Farrow speaks out
Filha adotiva de Woody Allen afirma que foi abusada

SILAS MARTÍ
DE NOVA YORK

"Espero que alguém acredite em mim em vez de só ouvir. Por que não deveria me sentir ultrajada depois de tantos anos sendo ignorada? Tudo que posso fazer é dizer a verdade. Por que eu não deveria querer acabar com ele?"

Numa das denúncias mais explícitas contra Woody Allen, Dylan Farrow, a filha adotiva do cineasta, falou à rede CBS sobre como sofreu abuso sexual nas mãos do pai quando ela tinha sete anos.

"Por que eu não deveria ter raiva? Por que não deveria estar machucada?", pergunta Farrow num trecho da entrevista ao noticiário "This Morning", que acaba de ir ao ar. A íntegra dessa conversa, no entanto, ainda será exibida pela rede de TV americana.

Noutro trecho, divulgado na página do telejornal na internet, Farrow diz que tem credibilidade. "Estou dizendo a verdade e acho que é importante que as pessoas percebam que uma vítima, um acusador importa e é suficiente para mudar as coisas."

Essa primeira entrevista de Farrow na televisão vem depois de um artigo que escreveu em dezembro do ano passado para o jornal "The Los Angeles Times" em que pergunta por que Allen foi "poupado" numa "revolução seletiva" contra assédio sexual na indústria do entretenimento.

Ela lembra o caso de Harvey Weinstein, que caiu em desgraça quando uma série de atrizes o denunciaram, e diz que o pai adotivo não sofreu nenhuma consequência por repetidos episódios de abuso -Farrow diz que Woody Allen se deitava com ela na cama só de cueca, enfiava o dedão na sua boca e a tocava e acariciava o tempo todo.

No rastro das campanhas #MeToo e Time's Up, contra assédio sexual em Hollywood, o ataque de Farrow reafirma um mal momento do diretor de "Manhattan".

Atores de seu filme mais recente, "A Rainy Day in New York", por exemplo, decidiram doar cachês às campanhas contra abuso. Rebecca Hall, uma atriz do filme que ainda não estreou, disse que lamenta ter trabalhado com Allen e pediu desculpas. Timothée Chalamet, também no longa, anunciou que doaria o pagamento pelo longa.

Outros atores também pediram desculpas por terem participado de filmes do diretor. Ellen Page e Greta Gerwig, de "Para Roma, Com Amor", David Krumholz, do mais recente "Roda Gigante", e Mira Sorvino, que venceu o Oscar por seu papel em "Poderosa Afrodite", querem tomar distância do cineasta.

Allen nega ter molestado Dylan Farrow, mas não se manifestou agora sobre as acusações. Também não há até o momento nenhuma queixa formal contra o cineasta na Justiça dos Estados Unidos.

Nas últimas semanas, o diretor disse à BBC, no entanto, que havia um clima de "caça às bruxas, em que todo rapaz num escritório que piscar para uma mulher vai ter de ligar para um advogado".

Uma análise de anotações e cadernos de Allen guardados na biblioteca da Universidade Princeton publicada no início deste ano pelo "The Washington Post" dá mais estofo às acusações de assédio.

Em roteiros e sinopses, o diretor repete uma série de vezes a trama de um homem mais velho que se envolve com uma jovem ou adolescente. Numa das referências, ele escreve "sou eu" ao lado da descrição de um personagem de 45 anos obcecado por universitárias em Nova York.

No roteiro de um especial para a TV, o cineasta descreve uma menina de 16 anos como "jovem loira vistosa de vestido vermelho decotado com uma fenda na lateral". Ele também diz que gostaria de ser Sócrates se pudesse ser uma figura histórica, com a diferença que os seus "pensamentos profundos" giram em torno de "garçonetes de 18 anos, cordas e algemas".

Crédito: Eric Gaillard/Reuters Director Woody Allen poses during a photocall for the film "Cafe Society" out of competition, before the opening of the 69th Cannes Film Festival in Cannes, France, May 11, 2016
Woody Allen durante a apresentação do filme 'Café Society' no Festival de Cannes, em maio de 2016

ASSÉDIO SEXUAL

Confira a seguir um resumo sobre os principais casos de assédio sexual e estupro em Hollywood reportados recentemente.

Harvey Weinstein
No caso que foi o estopim para a avalanche de acusações em Hollywood, o outrora poderoso produtor de 65 é acusado de ter assediado e estuprado mulheres ao longo de três décadas. Entre as vítimas estão Angelina Jolie, Ashley Judd e Gwyneth Paltrow. Bob Weinstein, irmão de Harvey, também foi acusado de assédio.

Kevin Spacey
O ator de 58 anos foi acusado pelo colega Anthony Rapp de o ter assediado fisicamente quando a vítima tinha 14 anos. O ator mexicano Roberto Cavazos fez acusações semelhantes. Após as acusações, a Netflix suspendeu a última temporada da série "House of Cards" e afastou o ator do programa, além de cancelar o lançamento do filme "Gore", protagonizado por Spacey.

Louis C.K.
O comediante e diretor de 50 anos confirmou as acusações de assédio sexual feitas contra ele por cinco mulheres, publicadas em reportagem do "New York Times". Em dois relatos, o comediante se masturbou em frente a atrizes sem o consentimento delas. Após as denúncias, a estreia do filme "I Love You, Daddy", de Louis C.K., foi cancelada. A Netflix também cancelou a produção de um especial com o comediante.

James Toback
Segundo o "Los Angeles Times", mais de 30 mulheres denunciaram o diretor e roteirista de 72 anos de cometer assédio sexual. Autor da reportagem, Glenn Whipp disse ter sido contatado por 193 mulheres com acusações semelhantes contra Toback, autor do roteiro de filmes como "Bugsy" e "O Apostador".

Roman Polanski
Além de ter estuprado uma garota de 13 anos em 1977, o cineasta franco-polonês de 84 anos também é alvo de, pelo menos, outras quatro acusações contra mulheres menores de idade, entre elas a atriz Charlotte Lewis. Em Paris, uma retrospectiva de sua obra foi alvo de críticas por um grupo feminista.

Dustin Hoffman
O ator que tem hoje 80 anos é acusado de ter assediado sexualmente a escritora Anna Graham Hunter, então com 17 anos, no set do telefilme "A Morte de um Caixeiro-Viajante", em 1985. Ele teria falado de sexo para ela e a apalpado. Hoffman se desculpou e disse que aquilo não "reflete" quem ele é.

Brett Ratner
A atriz Natasha Henstridge diz ter sido forçada a fazer sexo oral no diretor de "A Hora do Rush" e "X-Men: O Confronto Final" nos anos 1990. Além dela, outras atrizes e modelos, como Olivia Munn e Jaime Ray Newman, também relatam casos semelhantes envolvendo ele. Rattner, 48, nega as acusações.

Ed Westwick
O ator conhecido por "Gossip Girl" foi acusado de estupro por Kristina Cohen e Aurélie Wynn. Ele nega. A polícia de Los Angeles abriu investigação sobre o primeiro caso. Com isso, a BBC suspendeu a exibição "Ordeal by Innocence". As gravações já iniciadas da segunda temporada de "White Gold", da Netflix, também foram suspensas.

John Lasseter
O diretor da Pixar e dos filmes "Toy Story" e "Vida de Inseto" decidiu tirar licença de seis meses após admitir erros ligados a condutas de assédio sexual. Colaboradoras reclamaram de um excesso "invasivo" de abraços e outras situações desconfortáveis.

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