Peça faz paralelo entre violência do Rio e seu nascimento conflituoso

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress SÃO PAULO, SP, BRASIL, 17-01-2018: Retrato do ex-jogador de futebol Ronaldo "Fenômeno". (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-MÔNICA BERGAMO *** EXCLUSIVO FOLHA**
Carolina Virgüez (agachada) e Zaion Salomão em sessão de 'Guanabara Canibal' no CCBB do Rio

MARIA LUÍSA BARSANELLI
DE SÃO PAULO

Para entender a violência do Rio de hoje seria preciso voltar atrás, lá no nascimento da cidade, em meados do século 16. "Guanabara Canibal", espetáculo que estreia neste sábado (20) em São Paulo após uma temporada carioca, busca esse paralelo entre o que há de conturbador no passado e no presente do Rio.

Para tanto, resgata-se a batalha de Uruçumirim, em 1567, conflito liderado por Mem de Sá que expulsou franceses e exterminou tupinambás na baía de Guanabara.

"Acho que o Rio de Janeiro, hoje, vive essa influência de vingança e de disputas de territórios, como as brigas entre facções e a intervenção da Polícia Militar em favelas", diz o dramaturgo Pedro Kosovski. "É difícil não pensar que há um espelhamento. É a violência que funda a cidade."

"Guanabara" é a última parte da chamada Trilogia da Cidade da carioca Aquela Companhia, série de trabalhos que usam fatos históricos para se referir ao presente.

A pesquisa foi incitada pelas mudanças urbanas acarretadas por preparatórios de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

"Cara de Cavalo" (2012), a primeira peça, trazia o surgimento do esquadrão da morte à época do golpe militar.

Já a premiada "Caranguejo Overdrive" (2015), vencedora do Shell de melhor texto, direção e atriz (Carolina Virgüez), voltava a 1868, quando se construiu o Canal do Mangue no centro do Rio.

"Propomos esse distanciamento [temporal], mas vemos hoje tantos pontos de contato gritantes", comenta o diretor Marco André Nunes.

REVISÃO HISTÓRICA

Em "Guanabara", o grupo teve como base a literatura quinhentista, com relatos dos cronistas franceses Jean de Lery e André Thevet e do padre José de Anchieta. Narrativas "tão chocantes, de elogio ao extermínio", diz Nunes.

Mos os fatos, na peça, são contados sob outro ponto de vista, o do colonizado. Como numa espécie de vingança histórica, os tupinambás promovem um ritual de canibalismo com europeus. Estes, capturados, convivem com os indígenas até a sua execução.

Feito sob um chão de terra –que levanta poeira durante momentos de dança–, o espetáculo é dividido em três movimentos, todos eles embalados pela música ao vivo, algumas cenas coreografadas e projeções. O primeiro é uma espécie de apresentação dos fatos históricos e dos personagens, índios e colonizadores. O segundo, o ritual de vingança tupinambá.

Já o último é quase sem falas e guiado por um garoto negro, que segura um balão em clima de fim de festa. Faz uma ponte com o presente e com os atuais marginalizados da nossa sociedade.

"É o que sobra de tudo isso hoje, o grande eco", afirma o diretor. "As marcas da violência e da escravidão estão presentes na nossa vida de forma tão clara."

Cada parte é aberta pela voz do jornalista Amaral Netto no disco "Como Nasceu o Rio", tocado em uma vitrola enquanto o elenco apenas observa o que é narrado. A gravação foi feita em 1965, no aniversário de 400 anos da cidade, já sob o regime militar, e traz uma perspectiva heroica e elogiosa do colonizador.

"É uma visão reducionista e mal intencionada da história", comenta Kosovski. "A gente vê como a história é sempre uma invenção do ficcional, uma teatralidade."

GUANABARA CANIBAL
QUANDO sex., às 21h, sáb., às 18h e às 21h (exceto no dia 20/1, apenas às 21h), dom., às 18h; dia 25/1 (qui.), às 14h e às 18h; dias 12 e 13/2 (seg. e ter.), às 18h; até 18/2
ONDE Sesc 24 de Maio, r. 24 de Maio, 109, tel. (11) 3350-6300
QUANTO R$ 9 a R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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