Em livro de memórias, Marcelo Nova se diz avesso a 'brodagem' de músicos

AMANDA NOGUEIRA
DE SÃO PAULO

"Eu li, há muito tempo, uma crônica de Paulo Francis sobre a biografia de Audrey Hepburn, na qual ele dizia: 'Se você espera saber quais foram os galãs que ela levou para cama ou se ela cheirava nas grandes festas de Hollywood, esqueça, Audrey é uma figura de classe incontestável, ela não entra nesses detalhes que fazem as delícias das massas ignaras'", lembra Marcelo Nova.

Para escrever seu livro de memórias, o cantor e compositor convocou o jornalista e colaborador da Folha André Barcinski, antigo conhecido, com uma orientação: "Eu gostaria que você fosse meu Paulo Francis e eu pudesse ser a sua Audrey Hepburn.".

Crédito: Humberto Yoji/Folhapress Marcelo Nova durante lançamento de seu livro
Marcelo Nova durante lançamento de seu livro em São Paulo

"O Galope do Tempo" começou a sair do plano das ideias em 2014, mas só foi lançado no fim de 2017. As memórias descrevem com mais liberdade a carreira de Nova do que sua intimidade.

Em formato de pergunta e resposta entre Barcinski e Nova, o livro narra a história do cantor desde o garoto deslocado na infância e adolescência em Salvador, escolado nos clássicos literários e nas bandas pioneiras do rock e do punk, até a fase adulta, já como o músico determinado que concebeu e liderou o Camisa de Vênus.

Além de recuperar a criação, evolução e estagnação da banda, cujo nome era "impronunciável" na época de seu surgimento, o livro narra episódios como o lançamento de um disco em um bordel e a tentativa de Nova em relançar a carreira de Raul Seixas, por quem mantinha admiração como compositor.

Para Barcinski, um dos êxitos da obra é quebrar o clichê do roqueiro rebelde e mostrar como "uma personalidade dessas pode ser criada em um lugar que não tem nenhuma tradição das coisas de que ele gosta". "Uma coisa é montar uma banda de rock em São Paulo nos anos 2000. Outra coisa é criar uma banda rock no fim dos anos 1980 na Bahia. Completamente surrealista", diz Barcinski.

Para o jornalista, a banda era "à frente do tempo" e ia "na contramão do rock brasileiro da época, engraçadinho e tropical", ao gravar com grandes gravadoras e conseguir manter as influências de bandas alternativas.

"Nadar contra a corrente é algo que eu sempre apreciei na arte", diz Nova a certo ponto do livro. A frase resume o teor de muitos de seus depoimentos a Barcinski, como quando se diz avesso à "brodagem" que marcou o rock brasileiro dos anos 1980.

"O tempo passa e esse mundo de celebridades pop nunca me interessou nem minimamente, percorri um caminho muito peculiar à margem de tudo isso", afirma Nova.

A diferença de idade entre ele e outros roqueiros –cerca de sete ou oito anos mais velho do que a média de seus contemporâneos– era um dos fatores que colaboravam para seu distanciamento, diz Barcinski. "Ele já tinha 30 anos e uma ideia muito bem concebida do que queria fazer."

Nova se descreve como chato, careta, pretensioso –menos hipócrita. Ele também não se pretende modesto ao falar sobre suas composições. "Eu levava isso muito a sério. Quando finalmente gravei 'Correndo o Risco', em 1986, percebi que eu tinha certo talento e quis me distanciar ainda mais das tais contemporaneidades", diz.

"Não mudei tanto assim", afirma Nova em retrospecto. "Consigo me ver com 30 anos, com aquela disposição de enfrentar a tudo e a todos, tentando me tornar alguém a ser levado a sério em um meio em que o que importava parecia ser o supérfluo e o transitório, então às vezes eu olho pra trás e penso: 'Aquele menino até que não foi tão mal assim'."

MARCELO NOVA - O GALOPE DO TEMPO
AUTOR André Barcinski
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 44,90 (264 págs.)

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