Diretor de tramas mais adultas, Todd Haynes mira crianças em 'Sem Fôlego'

Crédito: Divulgação Cena do filme 'Sem Fôlego', de Todd Haynes
Cena do filme 'Sem Fôlego', de Todd Haynes

GUILHERME GENESTRETI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Em uma das cenas mais marcantes de "Sem Fôlego", que estreou nessa quinta (25), um garoto desce do ônibus e cai no meio da algazarra da Nova York dos anos 1970. Vê-se cercado por uma turba colorida e erotizada com regatas apertadas, cabelos "black power", curtíssimas minissaias e jeans de boca de sino.

É o trecho mais fiel à obra de Todd Haynes, diretor de "Não Estou Lá" e "Longe do Paraíso", em um filme que é o mais fora da curva de sua carreira. Pouco puritano para os padrões americanos, ele envereda aqui por seu primeiro longa com perfil mais "família". Mas há recaídas, incluindo nessa cena citada.

"Pedimos aos figurantes que não usassem cuecas e calcinhas, já que ninguém usava na época", disse a um grupo de jornalistas que incluiu a Folha, no Festival de Cannes, em maio. "Apesar das mulheres com as calças agarradas na bunda e dos homens com volume na braguilha, é um filme para as crianças."

São duas crianças, aliás, que movem a trama inspirada no romance infantojuvenil e homônimo de Brian Selznick. Uma delas é Rose (Millicent Simmonds), garota surda que, na década de 1920, sai em busca da mãe, uma atriz de cinema mudo interpretada por Julianne Moore. A outra criança é o menino Ben (Oakes Fegley) que, nos anos 1970, viaja à procura do pai.

Contadas de forma intercalada, as narrativas aos poucos revelam pontos de contato em uma história que vai deixando pistas ao espectador. O clímax ocorre no Museu de História Natural de Nova York.

O terreno pré-adolescente é ambiente novo para o californiano Haynes, de 57 anos, nome que surgiu com o new queer cinema, onda marcada por produções despudoradas sobre as sexualidades.

"Eu queria fazer algo para um público com o qual nunca dialoguei", diz o diretor do homoerótico "Velvet Goldmine" (1997). "Crianças não têm expectativa ou preconceito."

Foram as crianças o primeiro público para quem o diretor mostrou o longa. "Deram dicas importantes sobre o corte", diz. "Por intuição pura."

O filme é também o segundo consecutivo da carreira de Haynes, depois de "Carol" (2015), que não toma por base um roteiro de sua autoria. Ele afirma que essa é uma forma de compensar a sua "lentidão para criar coisas novas."

"Dirigir é se comprometer apenas com o que há diante de si, na filmagem", diz. "E muitas vezes descartar sem dó o que foi escrito no roteiro, seja ele seu ou de outro."

HISTÓRIA DO CINEMA

Ambientada em dois períodos históricos bem marcados, a história de "Sem Fôlego" parece feita sob encomenda para Haynes, aficionado pela recriação de outras épocas.

Segundo o diretor, o passado dá o pretexto para ele possa "recuar à história cinema".

É uma história que ele gosta de levar a tiracolo. Haynes mostra ao grupo de jornalistas o livro que levava consigo nas filmagens, seu "caderno de imagens" carregado de fotos com referências para inspirar o visual da obra.

"É a melhor forma de comunicar à equipe o que quero para identidade do filme", diz, enquanto folheia fotos de filmes do cineasta Hal Ashby, para embasar o segmento dos anos 1970, e cenas de filmes mudos da década de 1920.

À época do Festival de Cannes, o filme era cotado para a temporada das premiações, na esteira do bem-sucedido "Carol". Esmoreceu no meio do caminho, mas a expectativa já estressava o cineasta.

"Gosto de falar do filme, mas o que me irrita é o lobby que acompanha essas ocasiões, a coisa meio Harvey Weinstein", disse Haynes, cinco meses antes de estourar o escândalo sexual contra o produtor. "É uma maratona que diz respeito a muitas coisas, menos ao cinema em si."

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