Acusação de assédio contra Woody Allen poria ponto final à carreira dele?

Crédito: Reprodução Dylan Farrow, filha adotiva de Woody Allen que afirma que foi abusada
Dylan Farrow, filha adotiva de Woody Allen que afirma que foi abusada

MELEZA RYZIK E BROOKS BARNES
DO "NEW YORK TIMES"

Hollywood deu o basta a Harvey Weinstein, James Toback, Kevin Spacey e outras figuras derrubadas pelo movimento #MeToo por conta de sua conduta indevida. Mas e quanto a Woody Allen?

A Amazon, que distribui seus filmes, os produtores do musical "Bullets Over Broadway", baseado em um de seus roteiros, e os colegas de trabalho de Allen agora estão diante de uma retomada do interesse na acusação de que ele teria molestado sua filha adotiva, Dylan Farrow, em 1992, quando ela era criança.

Allen nega veementemente a acusação, pela qual nunca foi indiciado. Mas, com as vozes e as histórias das mulheres recebendo mais atenção, o relato de Farrow parece ter ganho força –como até os defensores de Allen começam a reconhecer.

"É uma escalada das hostilidades", disse Letty Aronson, irmã de Allen e produtora de muitos de seus filmes.

Em conversas com executivos e pessoas bem informadas sobre Hollywood, as opiniões estão divididas entre o apoio ao emblemático Allen e Farrow, uma figura cativante que recentemente renovou suas acusações contra ele, na mídia social e em sua primeira entrevista de TV.

As acusações não são novidade, mas a resposta de astros e estrelas a elas mudou.

Mira Sorvino, revelada pelo cineasta e premiada com o Oscar por seu papel em "Poderosa Afrodite", pediu desculpas públicas a Farrow, e outros atores, como Colin Firth, se distanciaram do diretor.

A mudança de atitude coloca em questão a capacidade do cineasta para continuar atraindo atores de primeira linha –e gera dúvidas sobre a capacidade que tenha qualquer de seus projetos de escapar às controvérsias.

Aronson e outros acham que isso tenha ajudado na exclusão de Kate Winslet da lista de indicadas ao Oscar 2018 por seu papel em "Roda Gigante", filme do ano passado.

Outra baixa pode ser "A Rainy Day in New York", o novo filme do cineasta, que está em pós-produção. O trabalho foi bancado pela Amazon e seria distribuído pela empresa, que debate o que fazer de seu relacionamento com Allen.

INVESTIMENTO PESADO

Um complicador para a Amazon é Allen ter sido contratado pelo serviço de streaming por Roy Price, derrubado do comando da Amazon Studios em outubro sob acusação de assédio sexual.

Price fez um investimento pesado para isso, bancando um orçamento de surpreendentes US$ 25 milhões para "Roda Gigante", muito superior ao dos filmes que Allen vinha fazendo. (Lançado em dezembro, o filme faturou apenas US$ 1,4 milhão nas bilheterias americanas.)

Depois que Farrow criticou atores que apoiam o movimento #MeToo e continuam a trabalhar com Allen, membros do elenco do novo filme, como Timothée Chalamet e Rebecca Hall, doaram os cachês a organizações assistenciais e para a Time's Up, campanha de Hollywood contra o assédio e agressão sexual.

Hall, que trabalhou com Allen em "Vicky Cristina Barcelona", participou da rodagem de "A Rainy Day in New York" por só um dia, mas postou no Instagram: "Lamento a decisão de fazê-lo e não agiria da mesma forma hoje".

Cherry Jones, também parte do elenco, pensa diferente. "Há pessoas que se sentem confortáveis em suas certezas. Eu não. Não sei a verdade", disse ao "New York Times". "Quando começamos a condenar por instinto, colocamos a democracia em risco."

A Amazon se recusou a comentar sobre "A Rainy Day in New York", declarando apenas que "ainda não há data para o lançamento do filme".

Letty Aronson disse que Allen ainda está editando o longa e que ele não devia ser lançado antes do final do ano.

O marketing do filme pode sofrer se astros como Chalamet e Hall não o promoverem. Já a Amazon precisa determinar se manter sua associação com Allen pode prejudicar seu caixa, ou sua reputação.

Aronson disse que Farrow e seus simpatizantes haviam "tirado vantagem" do #Me Too para intensificar a atenção a acusações que defensores de Allen veem como comprovadamente infundadas.

Allen afirmou que o alinhamento entre Farrow e a campanha Time's Up era "cínico".

Farrow respondeu, em e-mail ao "New York Times", que, "se a resposta de Woody Allen e de seus prepostos a isso é a de que estou tirando vantagem de um momento no qual está na moda considerar cuidadosamente os fatos, em lugar de acreditar sem questionar nas defesas precárias de homens poderosos –um momento no qual a verdade está na moda –, eu diria que eles estão certos".

DOR NO TRIBUNAL

A acusação de Farrow foi investigada em 1992 e 1993 por autoridades de Connecticut, onde a suposta agressão teria acontecido, e de Nova York. Um procurador de Connecticut disse que havia causa provável para um processo contra Allen, mas que ele não aconteceria para poupar Farrow, então criança, da dor de comparecer a um tribunal.

As reações adversas não se limitam a Hollywood. Na quinta (25), um teatro de Connecticut cancelou a produção de "Bullets Over Broadway", musical baseado em seu filme de 1994, mencionando o "diálogo atual sobre assédio e desvios de conduta sexual".

A maioria dos astros dos filmes de Allen não se pronunciou, Mas alguns atores expressaram arrependimento por terem trabalhado com o diretor ou firmaram que não voltariam a fazê-lo.

A declaração de Farrow, na qual ela detalhou o suposto abuso que teria sofrido aos sete anos de idade e falou sobre sua decepção com a falta de reação da comunidade cinematográfica, "me fez compreender que eu havia agravado a dor de outra mulher, uma percepção que me deixou desolada", disse Greta Gerwig, que fez "Para Roma Com Amor" com Allen.

Uma importante estrategista, que falou sob anonimato para proteger suas relações profissionais, disse que aconselharia seus clientes a não trabalharem com Allen –como decisão de carreira, não como escolha moral.

Outros lembraram o caso de Roman Polanski como exemplo da duradoura leniência do setor. Nas décadas que se seguiram à fuga de Polanski dos EUA, para escapar ao sentenciamento após se declarar culpado por fazer sexo ilegalmente com uma menina de 13 anos, sua carreira floresceu na Europa, onde a audiência está condicionada a separar a arte e o artista.

(Allen há muito tem mais fãs e melhores bilheterias na Europa que nos EUA. "Roda Gigante" faturou US$ 9 milhões nas bilheterias internacionais até o momento, e estreia na França nesta semana.)

Alec Baldwin, que trabalhou com Allen em vários filmes, saiu em sua defesa. Disse no Twitter que "a renúncia a ele e ao seu trabalho sem dúvida tem algum propósito". "Mas é injusto, e triste, para mim." Baldwin descreveu trabalhar com Allen como "um dos grandes privilégios" de sua carreira.

Aronson e outros defensores de Allen afirmam que os esforços da família Farrow para desacreditar Allen são beneficiados pelo trabalho de Ronan Farrow, como repórter investigativo da revista "New Yorker", na exposição dos supostos abusos sexuais por parte de Harvey Weinstein.

"Ronan está em boa posição agora", disse Aronson. "Anda por aí com um halo sobre a cabeça. Infelizmente, ele está errado" sobre Allen. (Ronan não quis comentar.)

Allen segue adiante: sempre escrevendo –além de um roteiro, Aronson disse que ele parece estar trabalhando em contos ou em um livro–, e fazendo seu show como clarinetista no hotel Carlyle, em Manhattan, toda segunda. "A vida dele não mudou", disse.

Mas sua visão artística talvez esteja fora de compasso com o momento atual. Seus quatro últimos filmes fracassaram nas bilheterias americanas, com faturamento cumulativo de US$ 26,9 milhões e custos totais de produção e marketing de US$ 85 milhões.

Críticas negativas influenciaram nisso. Mas analistas de bilheteria dizem que mulheres, especialmente as mais jovens, estão cada vez mais decididas a boicotar os filmes dele, desde 2013, quando Dylan Farrow falou pela primeira vez em detalhe sobre a acusação, à revista "Vanity Fair".

Antes do contrato com a Amazon, Allen bancava seus filmes vendendo antecipadamente os direitos de distribuição. Mesmo com bilheterias em queda, ele continuou capaz de atrair distribuidores por causa dos astros em seus elencos. Se os astros sumirem, é provável que o modelo dele se torne insustentável.

A despeito dos sinais, Aronson continua confiante de que o irmão poderá fazer qualquer filme que deseje.

O roteiro em que ele está trabalhando já tem financiamento, disse ela, e não depende da Amazon. Quanto ao elenco, atores são um recurso renovável: "Não tenho dúvida de que ele conseguirá encontrar novos talentos".

Aos 82, o prolífico Allen talvez esteja perto de seu capítulo final como cineasta. Porém observadores do setor sugeriram que, se ele continuar a trabalhar discretamente, a controvérsia pode se dissipar como antes –afinal, Hollywood sempre teve memória curta, ao menos até o #MeToo.


Tradução PAULO MIGLIACCI

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