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'O mundo não me deve nada', diz Ruy Castro, que lança coletânea de textos

Crédito: Ze Carlos Barretta/Folhapress Ruy Castro (ao centro) em debate com Barbara Gancia mediado pelo jornalista Naief Haddad (esquerda), em São Paulo
Ruy Castro (centro) em debate com Barbara Gancia mediado pelo jornalista Naief Haddad (esquerda)

CAMILA GAMBIRASIO
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Mesmo nos tempos do politicamente correto, Ruy Castro diz que não se sente "com o rabo preso" ao escrever seus textos. Para o escritor, jornalista e colunista da Folha, o problema acontece quando a pessoa acaba se controlando por medo de ferir certos grupos de indivíduos.

"Não me vejo assim. Em nenhum texto meu, vão achar nada ostensivamente contra [uma categoria]", afirmou em debate promovido pelo jornal em parceria com a Companhia das Letras nesta segunda-feira (29), no Teatro Eva Herz, para marcar o lançamento de seu novo livro "Trêfego e Peralta: 50 Textos Politicamente Incorretos".

A obra reúne artigos, entrevistas e reportagens realizadas por Castro ao longo de 50 anos de carreira na imprensa, selecionadas por sua mulher, Heloisa Seixas, também escritora.

A questão do politicamente correto foi levantada na conversa pela jornalista do "GNT" Barbara Gancia, que apontou que alguns dos textos do livro, como entrevistas com o colunista social Ibrahim Sued (1924-1995), com o humorista Millôr Fernandes (1923-2012) e o médico Elsimar Coutinho, que dificilmente seriam publicados em veículos nos dias de hoje por possuírem conteúdo controverso.

"No passado, era possível falar de uma maneira que hoje é cerceada. Não é necessariamente uma censura jurídica ou do jornal, mas do público", disse Barbara.

Na entrevista com Millôr, publicada em 1983 na revista "Status", o humorista diz que "não confiaria a Chico Buarque nem meu cachorro para passear na praia".

Ruy conta que, depois da publicação, Chico Buarque cuspiu na cara de Millôr, que revidou jogando uma garrafa de uísque (mas errou o alvo). "As coisas eram resolvidas de outra forma", disse Ruy.

Questionado se sente saudades dessa época, o escritor foi enfático em dizer que não. "O mundo não me deve nada, fiz tudo que eu queria. E tudo que eu fazia, de alguma maneira, continuo fazendo."

Apesar de escrever muito sobre o passado, o jornalista afirmou que a recorrência do tema não está fundamentada em saudosismo ou nostalgia, mas sim no fato de se considerar em condições de contar sobre outros tempos para os leitores atuais. "Eles têm direito de saber. Não faço isso para dizer se antes era melhor ou pior."

Sobre o atual movimento feminista, Ruy usou como exemplo a escritora Danuza Leão, que recentemente causou polêmica nas redes sociais ao corroborar as posições da atriz francesa Catherine Deneuve. "Uma mulher como Danuza jamais se vitimizaria a ponto de aderir a um movimento como esse", declarou.

Barbara afirmou que, embora antigamente tivesse pânico de ser associada com feministas como Betty Friedan e com os estereótipos que a acompanhavam, hoje os tempos mudaram. "Atualmente todas as mulheres são feministas. Tenho uma certa simpatia, acho bacana", disse.

Mediador da conversa, o repórter da Folha Naief Haddad pediu que Ruy comparasse a imprensa de quando começou a escrever no "Correio da Manhã", em 1967, com a dos dias de hoje. Ponderando que não participa ativamente nas Redações há vários anos, o escritor julga, do ponto de vista do leitor, que agora os jornais impressos são melhores e mais bem organizados, embora o mesmo não se aplique ao noticiário da internet –que é, para ele, "uma tristeza, mal escrito, mal apurado, feito nas coxas".

Ele notou que os espaços das Redações também mudaram "absurdamente" nas últimas décadas, passando de um ambiente em que "todos os jornalistas escreviam em máquinas, falavam alto, namoravam e e eram lindamente competentes e criativos" para uma lugar que "dá a impressão de que estou indo fazer exame de sangue, um clima meio hospitalar".

Sobre o título do livro, Ruy afirmou que é inspirado na expressão que um amigo, talvez Jaguar, usou para descrevê-lo. "'Trêfego e Peralta' define uma pessoa supostamente irresponsável, um moleque. É a maneira que eu tenho de encarar os assuntos sobre os quais eu escrevo."

O escritor também abordou a questão do alcoolismo, explicando que a doença dele foi um dos motivos que o levou a escrever a biografia de Garrincha (1933-1983), publicada em 1995. "A ideia inicial era fazer um livro sobre o alcoolismo, mas eu queria um fio condutor que fosse alguém vencedor que bebia, não um perdedor."

Barbara Gancia, que foi se tratar por incentivo de Ruy, agora trabalha em um livro sobre sua história com a doença.

Ruy disse que hoje, passados 30 anos de sobriedade, talvez pudesse fazer o mesmo. "Acho que precisa de muito tempo. A pessoa que parou de beber há um ano e já faz um livro não tem intimidade consigo próprio para contar sua história."

O jornalista finalizou o encontro constatando uma permanência durante as cinco décadas de carreira. "Escrevo com muita dificuldade. Não é fácil fazer a frase concisa, clara, verdadeira. E, se você puder fazer com um pouco de charme e humor, ótimo", disse. "A frase bem feita é uma permanente vitória."

TRÊFEGO E PERALTA: 50 TEXTOS POLITICAMENTE INCORRETOS
AUTOR Ruy Castro
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 55 (336 págs.)

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