Municipal do Rio tinha preço de teatro de shopping, afirma novo presidente

Crédito: Zo Guimaraes/Folhapress O economista e produtor cultural Fernando Bicudo no Municipal do Rio
O economista e produtor cultural Fernando Bicudo no Municipal do Rio

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

"Um teatro funciona como uma seita religiosa, isso aqui é um templo", diz o economista e produtor cultural carioca Fernando Bicudo, 71, enquanto conduz a reportagem pelos vastos salões do Teatro Municipal do Rio.

Nomeado presidente da histórica instituição há um mês, ele está de volta à casa 30 anos após sua primeira passagem –foi diretor-artístico de 1984 a 1988, durante o governo de Leonel Brizola.

Tem ciência de que está assumindo o cargo após um ano "catastrófico" para o Municipal, órgão do governo do Estado, reflexo da decadência econômica e política do Rio.

"É muito degradante você ver as pessoas [funcionários, que ficaram sem salários por meses] tendo de receber Bolsa Família, doação de alimentos. Bailarino trabalhando em casa de família para poder ter o que comer, gente morrendo. Isso aconteceu, é de chorar", diz o novo presidente.

Sua própria chegada ao cargo é um reflexo da crise: ele foi escolhido depois de a bailarina Ana Botafogo recusar o posto por não ter do governo de Luiz Fernando Pezão (MDB) a garantia de que os salários seriam regularizados –o que aconteceu duas semanas após Bicudo assumir.

"Fiz campanha intensa para a Ana, concordo com todas as reivindicações dela", diz Bicudo. "Para mim, a regularização dos salários era a coisa mais importante, mas tínhamos de preparar uma programação para quando esse problema fosse resolvido."

Crédito: Mauro Pimentel/AFP A bailarina Deborah Ribeiro durante protesto de funcionários do Theatro Municipal do Rio de Janeiro
A bailarina Deborah Ribeiro durante protesto de funcionários do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Uma de suas primeiras decisões foi não ter mais um diretor-artístico, mas um colegiado formado pelos diretores da ópera (Pier Francesco Maestrini), do balé (Ana Botafogo e Cecilia Kerche) e da orquestra (Tobias Volkmann).

"O diretor-artístico anterior [André Heller-Lopes] não entendia nem de balé nem de música, então era muito complicada a relação. Agora não, já tivemos quatro reuniões e a harmonia é total. Democratizar as decisões é algo sensacional", diz Bicudo.

ORÇAMENTO

Ele afirma contar com um orçamento de R$ 50 milhões em 2018, principalmente para custeio (salários e manutenção). Para bancar a temporada, aposta no Fundo Estadual de Cultura, com estimativa de arrecadação de R$ 75 milhões via renúncia fiscal.

Começou a articular parcerias com outras instituições, como o Municipal de São Paulo e o Palácio das Artes, de Belo Horizonte. "Já conversamos com companhias estrangeiras, como a Ópera de Kiel, com a qual faremos intercâmbio, e uma companhia chinesa."

Criador da Associação de Amigos do Teatro Municipal, em sua primeira passagem, diz contar novamente com o apoio de empresários e estatais."Espero que nossos líderes empresariais se conscientizem de que muitos problemas são frutos do desmantelo da educação e da cultura. Investir em ambas não é despesa, é investimento mesmo."

Bicudo afirma que a temporada deste ano está "70% pronta", mas não quis anunciar atrações. A abertura, em data já definida, mas não anunciada, será com os três corpos artísticos da casa –coro, balé e orquestra.

ALUGUEL MAIS CARO

Além de criar um conselho artístico para definir a programação do ano, Bicudo teve como uma de suas medidas iniciais aumentar o custo do aluguel do teatro, para empreendimentos privados.

"Há anos que o teatro é alugado por R$ 35 mil, R$ 40 mil a diária. Esse é o preço de um teatro de shopping no Rio. Como é que o Municipal, com 2.300 lugares, um lugar histórico, pode ter o mesmo preço?"

Segundo o presidente, a manutenção custa R$ 106 mil por dia de espetáculo –o que significa que, com o baixo aluguel, o Estado subsidiava eventos privados. Agora, a locação custará 25% da renda bruta da venda de ingressos, com mínimo garantido de R$ 90 mil por apresentação.

Animado por sua volta ao Municipal e pela normalização do pagamento dos salários, Bicudo diz que já sente um clima de otimismo entre funcionários. Mas não vê dilema em servir no mesmo governo que causou a ruína do teatro?

"Não estou trabalhando para este governo, estou trabalhando para cultura. Com a arte não se faz conchavo, muito menos político. Vim para cá porque tenho o apoio dos corpos artísticos, ou não viria."

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